Aborto redentor

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Osiris Lopes Filho
25/04/2007

 

 

Este artigo semanal, produzido por uma pessoa como eu, que padece de acrofobia, com a conseqüente dificuldade de se equilibrar em cima do muro, leva-me à tomada de posições, sem preocupações subalternas com conveniências.

 

Desta vez, vou defender o aborto. E propor que ele seja praticado por pessoa titular de importante núcleo do poder, para que pratique aborto, aliviando a sociedade brasileira de ter de conviver com um monstrengo que está sendo gerado em ventre espúrio.

 

O destinatário desta proposta abortiva é o ministro Guido Mantega, titular da pasta da Fazenda. O monstrengo que necessita ser eliminado neste momento inicial do seu processo criativo, mediante o aborto, é a tentativa de transformação de uma instituição fundamental à aplicação do direito e da justiça em matéria tributária – o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda – em tribunal de exceção.

 

Sob argumento inovador e modernizante está sendo elaborado novo Regimento Interno desse Conselho de Contribuintes. Trata-se de instituição quase centenária, que desenvolve notável missão na solução administrativa dos litígios entre o Fisco Federal e os contribuintes. A sua composição é paritária, com igual número de representantes do Fisco e dos contribuintes, julgando, em grau de recurso administrativo, matéria tributária federal.

 

A importância de seus julgados decorre de regra que estabelece que a decisão favorável ao contribuinte, tornada definitiva e final, não pode ser contestada pelo Fisco na esfera do Judiciário. A tecnocracia, filhote da ditadura, tenta revogar essa decisiva regra.

 

O projeto de regimento interno em gestação propõe duas regras que desvirtuam a história e a destinação desse tribunal: a 1ª, de que os seus julgados devem submeter-se à orientação e interpretação constantes dos atos do Ministério da Fazenda e da Receita Federal – portarias, instruções normativas, pareceres normativos, atos declaratórios; 2ª, a de que, quando não o fizerem, vale dizer, consagrarem interpretação divergente da oficial, serão nulos.

 

O respeito que essa instituição tem merecido ao longo de sua história decorre da sua independência às pressões oficiais, sua neutralidade, integridade moral e qualificação técnica dos seus membros. Sua vinculação é à lei, não às eventuais orientações dos titulares do poder no Executivo. Uma das conquistas do Estado Democrático de Direito é o princípio da legalidade, inscrito na nossa Constituição. A fidelidade fundamental do Conselho de Contribuintes é à lei e assim deve continuar a ser, objetivando consagrar a Justiça.

 

Há muito a se fazer em matéria de modernização do Conselho: aperfeiçoamento dos recursos, adequação dos prazos, agilização das tramitações, adaptação às novas técnicas processuais.

 

Ministro Mantega, aborte essa tentativa de transformar o Conselho em tribunal de exceção e adote uma orientação democrática: submeta o projeto de regimento interno, quando estiver pronto, à audiência pública, para colher sugestões  aperfeiçoativas. Os advogados, auditores, conselheiros e funcionários terão muito a contribuir. É um caminho  democrático, otimista, solidário e racional. A ditadura já era.

 

 

Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal.

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