Correio da Cidadania

Duas notas sobre a greve da USP

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Ninguém entendeu a racionalidade dos decretos do governador paulista José Serra, que levaram à ocupação da reitoria da USP pelos alunos, e detonou a greve.

 

O governador conhece a volatilidade da universidade. Na última década foi raro o ano onde não houve uma greve. O alcance e o resultado das mobilizações têm sido diversos, mas é notória a disposição dos uspianos - funcionários, professores e alunos – em resistir ao crescente sucateamento do ensino público.

 

E no entanto promulgou, no primeiro dia de governo, decretos propondo uma centralização política e econômica da gestão do campus, que só poderia causar furor. Não precisava de um serviço de inteligência para prever a reação - só bom senso.

 

O governador meteu-se em uma situação desgastante, onde não consegue debelar os estudantes nem pode autorizar a ação policial. Seria uma mancha indelével na reputação democrática que procura sustentar.

 

À boca pequena, comenta-se que a motivação dos decretos foi um arranjo de poder. Na composição política do governo faltaria um cargo mais para o PFL e o governador queria que fosse ocupado por Pinotti, um ex-pemedebista com quem tem proximidade. Se o boato procede, o governador cometeu um ato que não vai lhe sair barato.

 

***

 

Existe muita pressão pela desocupação da reitoria pelos alunos, desde o primeiro momento. A pressão não parte apenas da mídia – o que, aliás, é um atestado do acerto da ação –, mas de “colegas grevistas”. Dentre os professores das ciências humanas (descontada a economia), são raros os que condenam a greve, e mais raros os que apóiam a ocupação. O discurso prevalente é o do “excesso”.

 

E no entanto há pouca consideração pelos excessos cometidos contra o ensino público nos anos recentes. E nenhuma sensibilidade para a dinâmica da luta social: é evidente que a ocupação foi um acerto, na medida em que criou um problema para o governo e o força a negociar. É isso o que se chama luta de classes.

 

Em geral, as greves da universidade têm pouca ressonância. Os maiores prejudicados são os próprios alunos, já que não se trata de uma atividade produtiva - no sentido mercantil do termo -, que é interrompida. Assim sendo, o governo pode e freqüentemente lida com indiferença com as mobilizações.

 

É diferente quando o movimento ganha força e projeta-se para fora da universidade. Nesta ocasião, há greves vitoriosas. É esta a conjuntura criada: o impasse causado pela ocupação da reitoria gerou um trunfo para os grevistas, que tem se traduzido em concessões, parciais mas crescentes, da reitoria e do governo.

 

Aqueles que defendem a saída do prédio para avançar nas conversações ignoram que a desocupação significará o esvaziamento da greve e a condenação das negociações. Estes não entenderam nada. Podem até passar de ano em classe, mas estão reprovados nas barricadas.

 

 

Fábio Luís é jornalista.

 

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