Discutir a Justiça em clima de eleições presidenciais?

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João Baptista Herkenhoff
25/10/2010

 

Tempo de eleições presidenciais é tempo de debate. A convocação do povo às urnas fomenta o debate. Em clima de debate, tudo é debatido, mesmo aqueles temas que não são da alçada do presidente resolver. Daí que nos propomos a discutir, neste artigo, medidas destinadas a melhorar e democratizar a Justiça.

 

Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os avanços e a superação.

 

Tanto pode exercer este efeito positivo, mencionado por Leonardo Boff, a crise que castiga a pessoa, cada um de nós, em particular; ou a crise que alcança instituições, fases históricas ou mesmo países.

 

Esta reflexão inaugural conduz o espírito a uma reflexão posterior e consequente: um momento de crise do Poder Judiciário pode ser o mais acertado e próprio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.

 

Proponho dez medidas para aprimorar a Justiça, como passo a expor. São medidas, a meu ver, perfeitamente exequíveis, desde que haja boa vontade.

 

1) Arejar os tribunais – Nada de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.

 

2) Dar rapidez aos julgamentos – É possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que não se fraude a prestação jurisdicional através de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis, mas estão nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.

 

3) Humanizar a Justiça – A Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade inaceitável.

 

4) Praticar a humildade – O que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo tem direito.

 

5) Democratizar a Justiça – Começar pela democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que preside as sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.

 

6) Alterar o sistema de vitaliciedade – O magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade civil porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).

 

7) Combater o familismo – Nada de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo tribunal, desde que um parente em cada turma.

 

8) Aumentar a idade mínima para ser juiz – O cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.

 

9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta – A corrupção é sempre inaceitável. Dentro da Justiça, brada aos céus.

 

10) Colocar os juízes perto dos litigantes – Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.

 

João Baptista Herkenhoff é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor de Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz. Editora Forense, Rio, 2008.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

 

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