Infração no trânsito: é do Estado o ônus da prova

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Airton Florentino de Barros
23/03/2009

 

É muito comum, na atualidade, encontrarem-se motoristas preocupados em provar que não cometeram a infração de trânsito de que são acusados. O ônus da prova desse fato, entretanto, não é do motorista e, sim, do Estado.

A lei, ao regular as infrações de trânsito, instituiu sanções de natureza administrativo-penal. Para algumas das infrações, impôs restrição de direito ao cidadão, que é o de locomover-se por meio da condução de veículo automotor. Realmente, a infração de trânsito, isolada ou através da soma de pontos pela reincidência, pode levar à suspensão da habilitação de motorista. E é sabido que nem todos os crimes e contravenções penais, em geral muito mais graves do que as infrações de trânsito, levam a sanção de caráter tão relevante para o acusado.

 

Necessário observar, pois, que o Direito repressivo brasileiro em vigor adota princípios garantidores de direitos fundamentais ao cidadão, entre eles o da presunção da inocência do acusado por qualquer infração (art. 5º, LVII, da Constituição Federal). Daí incumbir ao órgão acusador o ônus de provar a conduta que imputa ao investigado ou processado administrativa ou penalmente.

 

Assim, por exemplo, embora seja o Ministério Público um ente público, contando, portanto, com a presunção de veracidade de suas afirmações, a exemplo do que ocorre com todos os atos ditos oficiais, essa presunção não o beneficia quando atua como órgão acusador. É que sempre cabe ao Estado, no âmbito da responsabilidade civil ou penal subjetiva, o ônus de provar os fatos que utiliza como fundamento para acusar um cidadão, na busca de sua responsabilidade. Se isso é o que deve valer para o Ministério Público, instituição caracterizada por prerrogativas e vedações que garantem a sua isenção, com muito mais razão deve valer para outros órgãos da administração pública.

 

Não basta, portanto, a simples acusação do agente de trânsito no sentido de que determinado motorista infringiu a lei para tornar legítima a cobrança de sua responsabilidade. Necessário é que o órgão da administração de trânsito comprove materialmente a infração, por meio de outros elementos que não apenas a simples acusação.

 

Aliás, a presunção da veracidade dos atos da administração pública vale para comprovar fatos em processos em que ela não é diretamente interessada. Nos processos em que é parte, a regra geral impõe o ônus da prova a quem alega. Aliás, mesmo quando o Poder Público não é interessado, suas afirmações não têm validade absoluta, atestando o registro dos fatos, mas não a veracidade do seu conteúdo, como ocorre, por exemplo, com o boletim de ocorrência policial.

 

E nem se pode dizer que se trata de tema meramente acadêmico, sem utilidade para a vida social. Os direitos fundamentais do cidadão decorrem de uma longa e demorada evolução filosófica, fruto de séculos de produção científica, no sentido de garantir a busca da verdade real para todo e qualquer tipo de julgamento, único caminho eficaz para a proclamação da justiça.

 

A observância do mencionado princípio fundamental se torna ainda mais necessária quando, por decadência dos valores morais, a linguagem jurídica vê-se indevidamente substituída pela linguagem econômica e, por conseqüência, vem o Estado transformando o Código de Trânsito em mero instrumento de arrecadação.

 

Urge, pois, que a Administração Pública, na área da fiscalização do trânsito, se aparelhe para constituir prova material das infrações supostamente cometidas, não bastando a acusação do agente fiscalizador.

 

Airton Florentino de Barros, procurador de justiça em São Paulo e integrante fundador do Movimento Ministério Público Democrático.

 

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