Ideologia da repressão

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João Baptista Herkenhoff
10/12/2007

 

O país redemocratizou-se há vinte anos. Uma Constituição foi votada com intensa participação popular, como nunca havia acontecido no transcurso de nossa História. A Assembléia Constituinte que votou a Constituição de 1988 abriu-se à escuta dos anseios da cidadania. Dessa escuta resultaram emendas populares assinadas por cerca de quinze milhões de eleitores. As vozes da rua pleitearam justiça social, educação, democracia, direitos humanos. Não houve emendas populares pedindo o retrocesso institucional, o endurecimento da repressão, a supressão de garantias. Chegava-se ao fim do túnel e a comunidade nacional queria respirar liberdade.

 

Entretanto, em contraste com a esperança de um novo ciclo histórico, bolsões de pensamento e comportamento ditatorial permaneceram em muitas instituições e espaços sociais, inclusive na Justiça, na polícia, em órgãos de governo, na universidade, nos meios de comunicação.

 

É esse substrato cultural autoritário que está atrás de atos de violência praticados por autoridades públicas contra o cidadão. É esse substrato cultural que faz com que a polícia, e até mesmo a Justiça, presuma a culpa e determine que a inocência seja provada.  É esse substrato que admite que, na persecução do crime, vidas de inocentes possam ser sacrificadas.

 

Faço estas reflexões a propósito da morte do advogado Geraldo Gomes de Paula, nas dependências de uma Delegacia de Polícia de Vitória. Esse digníssimo advogado foi vítima da brutalidade quando se encontrava no estrito cumprimento do dever. Seu falecimento é chorado, não apenas por sua família, mas também por milhares de pessoas que testemunharam sua retidão moral e dignidade de espírito.

 

À luz da ideologia da repressão não se entende o papel do advogado criminal, que é visto como “inimigo público”. Não se compreende que o advogado é indispensável à Justiça e que sem respeito ao advogado a Democracia naufraga. O advogado não defende o crime, mas sim o acusado de um crime ou até mesmo o culpado. Julgamento criminal que se faça sem a presença independente e atuante do advogado não é julgamento, mas arremedo de julgamento, farsa.

 

A violência urbana que, com razão, amedronta o povo, encoraja a ideologia da repressão. Segundo essa ideologia, tropas especializadas, com atiradores de elite, estão autorizadas a matar, uma vez que se encontram no desempenho de papel estratégico para preservar a segurança pública. O resultado disso é uma ilusória segurança, como estamos vendo todo dia.

 

Sem prejuízo da honesta, transparente e integral apuração dos fatos que causaram a morte do advogado Geraldo Gomes de Paula, o trágico episódio deve ser motivo para uma discussão ampla sobre o papel da Polícia numa sociedade democrática, debate esse que deve ser travado na sociedade e dentro da corporação policial.

 

 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, magistrado aposentado e escritor.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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