Correio da Cidadania

Disputa eleitoral em momento desfavorável aos trabalhadores

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Uma análise minimamente ponderada sobre as perspectivas dos trabalhadores em relação ao processo eleitoral de 2018 precisa levar em consideração alguns fatos marcantes – políticos, econômicos e sociais – que ajudam a explicitar como o Brasil chegou à atual conjuntura.

O ideal seria que o debate coletivo tomasse conta dos meios de comunicação, na massificação das campanhas, no confronto de projetos das diferentes candidaturas, de tal forma que o eleitorado pudesse fazer a leitura mais próxima possível da realidade.

De modo geral, nos diversos campos político-ideológicos existe razoável consenso de que o Brasil atravessa várias crises ao mesmo tempo ou uma crise multidimensional que atinge as instituições, a democracia, os valores éticos e as atividades econômicas, políticas e sociais.

A identificação de aspectos da crise pode contribuir para verificar quais campanhas e candidaturas se alinham mais – ou menos – com as demandas dos trabalhadores, com projetos progressistas ou conservadores, com mudanças verdadeiras ou mais do mesmo. Vejamos:

Sinais econômicos da crise

•    O fato mais decisivo da crise atual, sem nenhuma dúvida, é a prolongada retração da economia desde 2013 e os seguidos anos de PIB negativo ou próximo de zero, o que provocou uma brutal redução das atividades produtivas, o aumento do desemprego, a queda de consumo, a queda do investimento, a diminuição das exportações, o empobrecimento geral da população.

•    As medidas de austeridade adotadas no governo Dilma, em 2014, seguidas de ajuste fiscal e cortes orçamentários no governo Temer, não foram eficientes para conter a destruição da indústria, do comércio, dos serviços e da precária qualidade de vida dos brasileiros. Nada indica que tais diretrizes sejam apropriadas para reativar a economia e recuperar os danos causados nos últimos cinco anos.

•    Diante da sequência de crises geradas pelo modelo político-econômico adotado desde 1990, está evidente que a cartilha do Consenso de Washington, a bíblia do neoliberalismo, não deu conta de promover o desenvolvimento de forma consistente no país, muito menos serviu para reduzir a brutal desigualdade econômica e social e melhorar a vida do povo brasileiro.

•    Todos os governos desde Collor, FHC, Lula e Dilma, mantiveram praticamente intactas as diretrizes do neoliberalismo, que estabelece total liberdade para os capitais e mercados, a desregulação do trabalho, respeito à produção intelectual (Lei de Patentes), Estado mínimo (privatização de empresas e serviços públicos), controle fiscal (redução de gastos com pessoal e gastos sociais) etc.

•    Está claro o esgotamento do modelo neoliberal: o intenso processo de privatizações realizado desde os anos 1990 não resultou em ganhos significativos para o parque industrial brasileiro, menos ainda na melhoria e na qualidade dos serviços públicos essenciais. Ao contrário, o país teve aumento de dependência na área industrial e no domínio da tecnologia. As áreas que definem o desenvolvimento social (educação, saúde, moradia, transportes, saneamento, segurança) enfrentam processo de sucateamento e abandono.

•    A entrada de capitais estrangeiros em inúmeros setores produtivos e atividades de serviços públicos, na grande liquidação das empresas estatais e na desnacionalização das empresas privadas, provocou tempo depois enorme escalada da evasão de recursos nacionais, principalmente porque não existe limite para a remessa de lucros e o pagamento de royalties e patentes.

•    A abertura escancarada das importações gerou brutal desindustrialização do parque produtivo nacional e reduziu a inserção do país no mercado global (hoje é metade da participação brasileira em 1990). O Brasil se limita a exportar matérias primas e produtos in natura (minérios, grãos, carnes) e a importar produtos manufaturados com maior valor agregado.

•    Escassos investimentos na educação, ciência, pesquisa e tecnologia deixaram o parque industrial brasileiro totalmente defasado em relação aos principais países industrializados, com baixa produtividade e baixa competitividade. O trabalhador brasileiro tem pouca escolaridade e está sujeito a processos produtivos anacrônicos e tecnologia ultrapassada.

•    Ao longo dos últimos dez anos o Estado perdeu enormes recursos e sua capacidade de investimento devido à política de desonerações fiscais descabidas e irresponsáveis (370 bilhões de reais em isenções fiscais deixam de entrar nos cofres públicos por ano), enquanto vários outros setores da economia foram esmagados por falta de apoio oficial.

•    Com a cumplicidade dos poderes da República, o Brasil tem atualmente uma sonegação fiscal (em especial de grandes empresas) superior a 500 bilhões de reais por ano. Os impostos diretos (Renda, Lucro, Herança, Fortuna) protegem os ricos e os impostos indiretos (ICMS, IPI, ISS) castigam os pobres. Tal sistema alimenta a desigualdade.

•    O país está sendo saqueado com enormes transferências de recursos públicos para a rolagem anual da dívida pública, que hoje está em 3,7 trilhões de reais, com total favorecimento de bancos nacionais e estrangeiros, fundos de investimentos nacionais e estrangeiros e para a elite de rentistas mais bem remunerados do planeta.

•    Nos últimos anos o Brasil passou a ter também grande evasão de capitais nacionais, tanto de empresas privadas quanto de pessoas físicas. Primeiro, os mais ricos e suas empresas mandaram grandes fortunas para os paraísos fiscais. Depois muitas empresas passaram a montar filiais e até mesmo matrizes no exterior. Agora aumenta a cada dia o número de brasileiros – PESSOAS FÍSICAS – que investe e se muda com a família para o exterior. Só no primeiro semestre de 2018 foram enviados para o exterior mais de 1 bilhão de dólares de pessoas físicas, principalmente para Estados Unidos, Portugal, China, Canadá, Reino Unido, Espanha, Alemanha e Itália. É a fuga da riqueza nacional.

•    A crise econômica tem sido persistente e aprofundada por adoção de modelo que não atende as necessidades da população brasileira, por gestão irresponsável e incompetente dos recursos públicos e por escancarado descompromisso dos agentes econômicos e financeiros com a condição do povo e com o futuro do país.

•    Para reverter essa situação e tirar o Brasil da crise econômica é preciso o esforço coletivo de amplos setores da sociedade, em torno de um PACTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL visando a nossa autossuficiência, a retomada da produção industrial, a geração de empregos e a melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros. É preciso impedir a destruição da riqueza nacional, a evasão de recursos e a especulação financeira.

Sinais sociais da crise

•    É evidente que o agravamento da crise econômica, a partir de 2013 (antes das eleições de 2014 – quando foi reeleita a chapa Dilma-Temer), atingiu diretamente a parcela mais pobre e mais necessitada dos serviços públicos essenciais.

•    O desemprego saltou de 5 milhões nos anos 2000 para mais de 13 milhões de trabalhadores em 2018, sem contar alguns milhões que estão no desalento (deixaram de procurar emprego) ou em sub ocupação (bicos e serviços temporários).

•    A informalidade do trabalho, problema histórico no Brasil, já foi próxima dos 40% da PEA (População Economicamente Ativa) em décadas passadas, mas agora está em torno de 60% da PEA, o que significa que a maioria dos trabalhadores não tem carteira assinada, não tem os direitos previstos na CLT, não tem FGTS e não recolhe para a Previdência.

•    De acordo com os dados do IBGE e do Banco Mundial o Brasil tem atualmente mais de 63 milhões de pessoas com renda abaixo da linha de pobreza, que é de U$5,5 dólares (pouco mais de 20 reais) por dia.

•    A nova onda de desproteção começou logo após as eleições de 2014 com cortes no salário-desemprego, no auxílio-social, no benefício de pensões; depois vieram os cortes nos programas sociais do governo e a retirada de direitos dos trabalhadores. A terceirização sem restrições, aprovada pelo STF, acelera ainda mais a precarização do trabalho.

•    Com o aumento do desemprego, milhões de famílias perderam o acesso aos planos privados de saúde; milhões de pessoas deixaram de recolher as contribuições do INSS que são fundamentais para as futuras aposentadorias; milhões de pessoas interromperam os estudos por falta de bolsas de estudo e de recursos próprios; milhões de pessoas migraram para moradias precárias em favelas, áreas de riscos, ocupações ou estão nas ruas.

•    O desastre social é enorme e de difícil recuperação. Mesmo que o país consiga reverter no novo governo a trajetória de degradação social, com certeza levará vários anos até que se tenha uma situação razoável de atendimento das necessidades básicas e fundamentais para a grande maioria da população. Para muitos, o estrago ocorrido será irrecuperável.

•    O quadro de degradação social tem sido importante fator da escalada de insegurança pública e do aumento da violência que tomaram conta do país. Conforme o Atlas da Violência do IPEA o Brasil registrou 62.500 homicídios em 2016, um número 30 vezes maior do que o de toda a Europa e de vários países em situação de guerra civil.

Sinais políticos da crise

•    O sistema representativo inaugurado com a Constituição de 1988 demonstra profundo desgaste e enorme dificuldade para atender as demandas atuais da sociedade.

•    Tivemos em quase 30 anos de vigência da Constituição quatro presidentes eleitos diretamente (Collor, FHC, Lula e Dilma), sendo que dois sofreram processos de impeachment e foram substituídos pelos vices.

•    No mesmo período a legislação permitiu e até estimulou a proliferação desenfreada dos partidos políticos. Temos hoje 35 partidos registrados, os quais, na maioria, deixaram de ter programas próprios e se transformaram em balcão de negócios: querem os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, abrigam políticos que usam as legendas para interesses privados, e ainda vendem o horário gratuito no rádio e na TV para candidaturas sem o menor compromisso ideológico e programático.

•    As pesquisas indicam que hoje 68% da população, segundo o Datafolha, e 83% da população, segundo o Ibope, não confiam nos partidos políticos. Ou seja, a credibilidade dos principais instrumentos de ação política na sociedade é extremamente baixa.

•    A demonstração do descrédito partidário ocorre na atual campanha presidencial: temos 13 candidaturas com registro no TSE em nome dos 35 partidos legais; e ainda assim mais 20 cidadãos registraram suas candidaturas a presidente sem qualquer vinculação com partidos. O TSE tratou de impugnar as candidaturas avulsas e parte dos candidatos impedidos pela Lei da Ficha Limpa.

Por que os partidos perderam credibilidade?

•    Em parte porque depois de seguidas eleições para Executivo e Legislativo, os dois poderes da República com mandatos eletivos, os candidatos fizeram inúmeras promessas, mas em linhas gerais não corresponderam à expectativa dos eleitores, não atenderam as principais demandas da população nas áreas da saúde, educação, moradia, transportes, empregos e salários etc. A maioria da população continua carente de serviços públicos de qualidade.

•    Em parte porque muitos políticos das principais legendas se envolveram em escândalos de corrupção em casos de desvios de dinheiro público, enriquecimento ilícito e as mais variadas bandalheiras.

•    Um marco importante na atual crise política foi o que aconteceu em junho de 2013, quando milhões de brasileiros foram para as ruas em grandes manifestações de descontentamento generalizado contra os governos e os poderes da República. Os governantes e demais políticos foram duramente questionados. As ruas pediram antigas reivindicações por melhoria na educação, saúde, transportes, moradia, segurança pública, saneamento.

•    As respostas dos governos estaduais e federais, do Congresso Nacional (dos demais Legislativos) e dos partidos políticos foram evasivas e arrogantes, praticamente ignoraram o que o povo queria e pedia nas manifestações.

•    Assim, de um lado existe o enorme desgaste dos políticos, dos partidos e dos governos. De outro lado, os partidos e os políticos não demonstram iniciativa na realização efetiva de mudanças e transformações. Não se renovam e não se revitalizam. Ao contrário, parecem apostar quase sempre na continuidade dos mesmos esquemas viciados.

•    Tudo está a indicar que a renovação do Congresso Nacional e das assembleias legislativas será mínima em 2018. Na Câmara dos Deputados, quase 80% dos atuais parlamentares disputam a reeleição; no Senado, 50% disputam a reeleição; a previsão é de que aproximadamente 70% dos deputados e senadores serão reeleitos. Ou seja, o país terá em 2019 um Congresso Nacional muito parecido com o atual.

•    O imobilismo dos políticos e de seus partidos só tem servido para alimentar o crescente desinteresse dos cidadãos em relação à política e às eleições. O Brasil já teve presidentes da República de diferentes partidos eleitos pelo povo desde 1990, mas nenhum deles conseguiu romper as amarras da ditadura neoliberal. O modelo econômico reina absoluto sobre a política.

Como o eleitorado demonstra desalento?

•    Em 2014, os votos brancos, nulos e a abstenção chegaram a 28,5% do eleitorado (A Dilma foi eleita no segundo turno com 38% dos votos, de maneira que 62% dos eleitores não tiveram compromisso com a eleição dela).

•    Em 2016, nas eleições municipais, os votos brancos, nulos e a abstenção chegaram a 35% do colégio eleitoral no primeiro turno; no segundo turno essa taxa pulou para 41%. Em muitas cidades os prefeitos foram eleitos com o apoio de menos de 30% dos eleitores.

•    Agora em 2018 provavelmente teremos a repetição de um quadro comum às eleições anteriores, que é de candidatos eleitos com o apoio de 30% dos eleitores; outros 30% ficam na oposição; e outros 30% não estão nem aí com a escolha de seus representantes.

•    Nas eleições proporcionais o quadro é mais grave, pois o voto de legenda permite colocar nas assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados parlamentares com poucos votos, praticamente sem representatividade e sem qualquer legitimidade. Em 2014, por exemplo, o Tiririca elegeu três deputados sem qualquer base eleitoral.

Os dados atestam e reforçam que o sistema representativo está comprometendo seriamente o futuro da democracia no Brasil.

•    Está claro que essa situação só será alterada no momento em que o país realizar uma ampla reforma política, que fortaleça a existência de partidos representativos e programáticos; que limite o financiamento partidário a filiados, militantes e pessoas físicas (sem recursos públicos); que os partidos fiscalizem a idoneidade de seus dirigentes, militantes e candidatos; que defina a fidelidade partidária conforme o programa partidário; que exija votação mínima para ter representação nos legislativos; que crie o sistema distrital misto para assegurar maior controle dos eleitores sobre os eleitos; que exija transparência total e absoluta desde a campanha e durante os mandatos; que permita o funcionamento de democracia direta prevista na Constituição Federal, com a realização de plebiscitos e referendos para todas as questões de relevância na vida da sociedade.

•    Enfim, sem uma verdadeira reforma política o que teremos é mais do mesmo: mais demagogia e enganação; mais desconfiança e mais descrédito; mais desinteresse e mais descontentamento; e mais crises no funcionamento da democracia.

Conclusões:

•    As eleições, por si só, não dão conta de colocar um fim nas crises que o Brasil e o povo brasileiro enfrentam. As eleições podem ser um fator importante no processo de luta se houver empenho de todos nós, coletivamente, para elevar o nosso nível de consciência, apostar no avanço da organização social e assumir o compromisso de acompanhar, fiscalizar e cobrar o melhor desempenho dos representantes eleitos.

•    A escolha dos candidatos deve ser feita pelos programas e propostas, pela seriedade e honestidade, pela visão de mundo, pela capacidade de articulação, pela trajetória democrática – e jamais se deixar enganar por políticos com discursos messiânicos, populistas e demagógicos. O Brasil não precisa de “salvadores da pátria” nem de “falsos mártires”, muito menos “chefes” e “ditadores”, mas de servidores públicos dispostos a construir, com o povo, um país melhor do que o atual.

•    O objetivo do trabalhador (cidadão e eleitor) no atual processo eleitoral deve ser o de não aceitar qualquer retrocesso na nossa frágil e incipiente democracia. É preciso acreditar no avanço do processo civilizatório, na defesa das conquistas históricas das classes trabalhadoras. Os métodos impositivos, truculentos e disseminadores da violência só agravam a barbárie do regime. A defesa dos trabalhadores está no campo antagônico ao dos defensores do neoliberalismo.

•    O país precisa mesmo é de muitas reformas, entre as quais a política, a tributária, a agrária, a urbana, a social, a da comunicação e a do judiciário. O caminho ideal para refundar a República é que o próximo governo estimule efetivamente a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, livre e soberana, com candidaturas avulsas e com a participação de nomes indicados pelos principais movimentos sociais do país. Compete somente ao povo, principalmente aos trabalhadores, a grande tarefa de mudar o Brasil.


Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.

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