Quando o assunto é Amazônia

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Danilo Pretti Di Giorgi
30/11/2007

 

 

Já tratei da questão da crise de abastecimento de água na cidade de São Paulo em dois artigos aqui nesta coluna (Águas paulistanas 1 e 2). O tema é emblemático para mostrar que a dificuldade de preservação da Amazônia, ao contrário do que defendem alguns, não se deve apenas à extensão do território e à conseqüente dificuldade de fiscalização.

 

Mesmo quem não conhece a região das grandes represas paulistanas pode imaginar que fiscalizar sua ocupação não é nada difícil se comparamos à mesma empreitada na incomensurável Amazônia. Mesmo assim, apesar de estar totalmente protegida pela severa lei de mananciais, a Zona Sul vê sua população crescer cerca de 9% ao ano, enquanto a média da cidade é de 1,4%. São 56 favelas, sendo 46 em áreas de risco, e cerca de 70 loteamentos clandestinos.

 

Com boa vontade e políticas direcionadas, seria perfeitamente possível lacrar toda a região dos mananciais paulistanos e impedir sua ocupação. Mas nem isso conseguimos. A especulação imobiliária fala mais alto e, por isso, a qualidade da água oferecida para milhões de pessoas está em sério risco, o custo de seu tratamento cresce a cada ano, assim como a quantidade de produtos químicos necessários para o tratamento.

 

Se não somos capazes nem mesmo de preservar uma pequena área de mananciais na região sul da minha cidade, não venham tentar me fazer acreditar que a solução para a Amazônia passa por programas de concessões de florestas públicas ou por manejos florestais madeireiros, com regras muito bonitas no papel e recheados com estudos pomposos e difíceis de entender. Sei que, na prática, depois de receber a autorização de exploração das áreas, as barbaridades vão acontecer, com o aval de selos verdes fajutos.

 

Quando o assunto é a preservação da Amazônia, normalmente a conversa entre as pessoas mais inteiradas sobre o tema é meio neurótica. O que fazer para salvar a diversidade e os animais e árvores em rápido processo de destruição? É comum os posicionamentos tenderem para dois lados: o de quem defenda simplesmente paralisar todas as atividades relacionadas com a degradação, e aquele de quem acha que vale apostar na tal ocupação “sustentável”.

 

Não que o pessoal da segunda turma não queira parar a degradação. Querem. Mas eles acreditam que ocupar áreas com atividades como o manejo “sustentável” de madeira é o caminho a ser seguido, válido pelo menos como ação emergencial de curto prazo. Querem ocupar a região da floresta com atividades que dêem retorno financeiro, como a coleta de produtos silvestres ou ainda usar regiões degradadas para agricultura ou pecuária mecanizada.

 

Já o pessoal da primeira turma (estou nela) considera que qualquer tipo de novo estabelecimento humano acaba causando degradação em maior ou menor grau e deve sempre ser evitado. Se pensamos em preservação para as futuras gerações (e não apenas ganhar 20 ou 30 anos), não podemos desperdiçar energia em algo que causa “menos impacto”, mas que perpetua o modelo de destruição.

 

O que expus acima em poucas palavras dá muito pano para manga e muita polêmica. Um argumento forte do segundo time é que ficar parado olhando e falando mal não adianta nada e que a ausência dos projetos “sustentáveis” dá espaço para o crescimento de atividades de maior impacto, como o corte raso, as queimadas com pecuária extensiva etc. Eles têm razão neste ponto.

 

Creio, contudo, que, para atingirmos uma solução realmente duradoura, devemos buscar a verdadeira raiz do problema. E ela está muito além da realidade das matas tropicais, está dentro do ser humano. Sou contra a abertura e a expansão de novas fronteiras de ocupação na Amazônia porque a relação que o homem ocidental criou com a terra e a natureza é doente. Vemos a terra e suas riquezas como algo a ser explorado e esgotado. Não há respeito e reverência por quem nos prove de alimento, como deveria existir. Este é o problema fundamental em minha opinião.

 

A defesa da exploração econômica da floresta de pé como forma de preservá-la traz dentro de si a idéia de que a mata só tem valor se puder ser transformada em dinheiro. Esse tipo de raciocínio é que precisa mudar. É preciso que as pessoas entendam o valor incalculável de um regato, com a água correndo entre as pedras, e a sua relação direta com aquele volumoso rio que abastece cidades e desemboca no mar. O valor das flores, dos beija-flores que ali vivem.

 

Os defensores da ocupação “sustentável” buscam trazer para a floresta atividades econômicas que dêem um retorno financeiro alto o bastante a ponto de justificar sua preservação parcial. Quer dizer, atividades que dêem mais dinheiro do que derrubar as árvores, vender a madeira e depois negociar a área para pasto ou plantação de soja. Eles buscam criar mecanismos de exploração que tornem desnecessário derrubar todas as árvores, senão, acreditam, os invencíveis mecanismos de mercado irão, mais cedo ou mais tarde, acabar com tudo.

 

Perceba que este raciocínio, à primeira vista muito tentador de ser aceito como sensato, embute em si o mesmo pensamento que levou à destruição de boa parte das outras florestas do mundo. Partindo do princípio de que a mata é derrubada ou queimada visando atividades econômicas de baixo retorno financeiro, essas pessoas vêem a salvação da mata valorizando a floresta viva do ponto de vista econômico. Usam os mesmos “invencíveis mecanismos de mercado” para traçar suas estratégias.

 

Sei que minha opinião não ajuda muito a salvar a biodiversidade, mas, para mim, a floresta vale muito mais em pé, mesmo que a derrubada das árvores fizesse surgir pepitas gigantes de ouro ou minas inesgotáveis de gás ou petróleo da mais alta qualidade. O que defendo é que não podemos, e nem me parece inteligente, combater a destruição com o mesmo raciocínio doente que, em última instância, é a sua causa.

 

 

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

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