Sobre roseiras e homens-formiga

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Danilo Di Giorgi
29/05/2015

 

 

Certa vez tive a honra de zelar por um roseiral de rosas cor-de-rosa. Para que brotassem fortes na Primavera, aprendi a podar as plantas lá em baixo, perto do chão, na lua nova de julho, quando seus líquidos vitais estão recolhidos nas raízes. Aprendi muitas outras coisas com a experiência, inclusive que as formigas também gostam muito das roseiras. Na época do calor vinham elas aos milhares depenar uma por uma, para meu desespero.  Sempre me via dividido entre o meu amor pelas roseiras e o respeito por essas trabalhadoras incansáveis, responsáveis por essa aula de cooperação que tanto falta para nós seres humanos. Quando o amor pelas roseiras vencia, eu colocava no caminho das formiguinhas um veneno granulado que elas levam para suas casas debaixo da terra. Lá dentro esses grãozinhos cinzas liberam um gás tóxico que mata toda a comunidade.

 

Para realizar essa matança de forma eficiente, eu precisava acompanhar todo o caminho das formigas pelo terreno, desde a planta até o olho do formigueiro, o local ideal para depositar os grãozinhos do mal. Certa vez, fazendo isso, me lembrei de uma visita que fiz quando criança ao Jardim Zoológico. Dentro de uma sala, havia um formigueiro enorme feito com tubos de vidro para que entendêssemos o que se passa debaixo da terra. Estavam lá as formigas sob luz artificial trabalhando incansavelmente, nem se dando conta de que eram atração de circo. Quando voltei dessa viagem para minha infância, percebi que as formigas do meu quintal também não tinham consciência da minha existência, apesar de eu estar bem próximo a elas, mexendo nas plantas do caminho por onde passavam e planejando seu extermínio. Para elas eu não existia.

 

Nós seres humanos somos capazes de compreender e estudar profundamente toda a cadeia de consciência que se inicia a partir de nós para baixo. Desde os mais próximos da nossa capacidade de perceber o mundo à nossa volta e refletir sobre ele, como macacos, baleias e golfinhos, até os mais simples, como os seres unicelulares. Mas temos dificuldade de aceitar o que de certa forma é natural e até esperado: que essa cadeia evolutiva não termine em nós, mas que, ao contrário, siga evoluindo para possibilidades muito mais interessantes e inteligentes.

 

Nosso planeta é um nada dentro da nossa galáxia, que por sua vez é um nada dentro do grupo de galáxias que compõem nosso Universo, que por sua vez é apenas um dos possíveis universos que ocupam algo que chamamos de infinito – e que ninguém sabe direito o que é. Ainda assim, nossa arrogância nos leva a fazer afirmações definitivas sobre esses grandes mistérios.

 

Vamos mal aqui nesse planetinha azul. Não estamos dando conta nem mesmo de preservar as condições climáticas e ambientais que garantiram nossa sobrevivência aqui até hoje. Bilhões passam fome, milhões morrem em guerras motivadas por lutas por poder e nossas águas estão envenenadas. Mas, ao invés de nos sentirmos envergonhados e usarmos essa preocupante realidade para ganhar um pouco de humildade, demonstramos arrogância cada vez maior. Inventamos maquininhas cheias de luzes e cores, criamos foguetes que não conseguem atingir nem mesmo as fronteiras do nosso sistema solar e achamos, com essas conquistas, que somos o suprassumo do Universo, o topo da cadeia. É patético.

 

Nossa ciência só pode determinar sua visão de mundo a partir da nossa perspectiva limitada de mundo. Ainda assim, nos achamos capazes de determinar que acima de nós não há nada. Nossos intelectuais acham que a crença na existência de forças superiores, sejam elas materiais ou espirituais, é coisa de gente ignorante que ainda não recebeu as luzes dessa cienciazinha unicelular que eles consideram ser o máximo possível em termos de sabedoria universal.

 

Como formigas centradas apenas no nosso limitado universo roseira-formigueiro, não conseguimos perceber nada à nossa volta que não esteja inserido no nosso limitado espectro de percepção. E achamos que este limitado espectro de percepção é tudo o que há para ser atingido.

 

 

Danilo Di Giorgi é jornalista formado pela PUC-SP. Trabalha em projetos socioambientais e organiza seminários sobre temas diversos. Vive em Embu das Artes, na região metropolitana da capital paulista.

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