2014: o ano da seca que veio para ficar

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Rodolfo Salm
19/12/2014

 

 

 

Mesmo antes de terminar, os meteorologistas já acreditavam que 2014 seria o mais quente da história. Só isso já bastaria para caracterizar esse ano que se encerra, se não fosse pelo fato de que as mudanças climáticas caminham de tal forma que todo ano novo é candidato a ser o novo “ano mais quente da história”. Falando em meio ambiente, 2014 foi marcado principalmente pela forte seca que assolou boa parte do país, com ênfase na cidade de São Paulo, que viu seus reservatórios praticamente secarem.

 

Esta seca, que chegou com tudo ao Sudeste, era prevista há muito pelas pessoas atentas à questão ambiental. Ela pode ser em parte explicada por fenômenos climáticos específicos de 2014, mas sem dúvida decorre também dos desmatamentos que se alastram por todo o país. Por isso que é estranho ouvir que serão necessários não sei quantos anos de chuvas “normais” para os reservatórios voltarem aos níveis aceitáveis.

 

O próximo ano pode até ser um pouco mais chuvoso, mas, infelizmente, de modo geral, tudo indica que a seca veio para ficar. É bem sabido que São Paulo situa-se em uma latitude característica de desertos em todo o mundo, mas escapou dessa condição graças à umidade da Amazônia, que viaja através dos chamados “rios voadores” canalizados pela cordilheira dos Andes até o sudeste do país, como detalhado nesta coluna em um artigo recente de Danilo Di Giorgi (“São Pedro mora na floresta”). Com o avanço dos desmatamentos na Amazônia e na Mata Atlântica, esse processo vai perdendo força e as chuvas se tornam progressivamente mais raras. Os desmatamentos em áreas de mananciais secam as nascentes e também contribuem para o aprofundamento dos efeitos da seca.

 

É revoltante que os nossos governantes, ao invés de tratarem de impedir novos desmatamentos e promover a recuperação das áreas degradadas, usem a justificativa da seca para projetar novas obras bilionárias. Novas boas oportunidades de negócios, quase sempre permeados por corrupção para as mesmas empreiteiras de sempre, cúmplices do estado de calamidade ambiental em que vivemos. O mais grave, porém, é ter sido jogada fora uma excelente oportunidade para se discutirem os grandes problemas do país nos debates que precederam as eleições presidenciais desse ano, como os desmatamentos e a grande seca que nos assola. O assunto mal foi mencionado.

 

Não me surpreendo que a bandeira ambiental não tenha sido erguida pela oposição tucana, de quem não se deve esperar nada diferente da devastação em curso em marcha acelerada sob o comando da presidente Dilma. Mas e a candidata “verde” Marina Silva? Amarelou, azulou, criou asas e se proto-tucanizou e, ao invés de apresentar propostas alternativas, estava mais concentrada em agradar os banqueiros e os chefões do agronegócio. Certo, quem a conhecia já não esperava dela grandes coisas. Mas e quanto aos candidatos alternativos que não estavam lá para ganhar, mas para promover os debates necessários, como a Luciana Genro? Por que nem ela levantou a bandeira ambiental com convicção a ponto de criticar, por exemplo, a construção de hidrelétricas e estradas na Amazônia?

 

A questão principal em debate nessas eleições foi a corrupção na Petrobrás. Mas e a corrupção em Belo Monte, que a gente tem certeza de que existe? A corrupção está em toda parte. Em alguns lugares tem mais, como em Belo Monte. Mas por que não sai nada daqui? Porque os marqueteiros acham que não cola. Como se denunciar a corrupção da Petrobrás fosse proteger o Brasil, mas denunciar a mesma corrupção em Belo Monte fosse boicotá-lo. A Copa do Mundo passou e nem sequer os black blocks se lembraram de jogar o nome de Belo Monte na fogueira (se é que eles tinham alguma preocupação legítima com qualquer coisa).

 

O ano já vai se encerrando e, às margens do Xingu, em 15 de dezembro, enquanto fecho esse texto retrospectivo, a terra ainda está seca e esturricada, aguardando as primeiras chuvas que já deveriam estar caindo abundantemente por aqui. Ao invés disso, o que vemos é a natureza sendo devastada em ritmo acelerado e os milhares de operários vivendo em condições degradantes, em nome da construção deste monstro destruidor de rios. Diante disso, como ter alguma esperança no futuro?

 

É difícil. Mas talvez seja necessário. Qual é o sentido de se fazer essa retrospectiva, ano após ano, para o Correio da Cidadania, se não para trazer luz sobre a questão e tentar acordar mais pessoas para o drama ambiental? Mas se fazemos isso dizendo que “não tem jeito”, qual a perspectiva que criamos? Tem de haver algo positivo, sem ser falso, claro.

 

Pois bem, minha observação, digamos, “otimista” é de que a consciência sobre a importância das florestas para o clima e para a sociedade de modo geral já existe de forma incipiente e eventualmente ganha destaque na grande imprensa, que repercute a opinião de cientistas (“Nobre liga a seca em SP com desmatamento de florestas na Amazônia”, no Valor Econômico), intelectuais e artistas, como a Fernanda Torres: “É preciso barrar as motosserras e promover o replantio imediato, ou a vingança de Tupã transformará o sul maravilha em sertão” (“Tupã”, Na Folha de S. Paulo).

 

Difundidas essas ideias, elas naturalmente chegarão aos políticos. Não sei se prevejo ou simplesmente espero que esta consciência se amplie e se difunda cada vez mais em 2015.

Rodolfo Salm é PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará, por onde desenvolve o projeto Ecologia e Aproveitamento Econômico de Palmeiras.

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