Correio da Cidadania

Uma semana de tiros, ameaças e ilegalidade em São Paulo

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No dia 27 de janeiro, segunda-feira, Daniel Biral, membro do grupo Advogados Ativistas, que até então estava cuidando do caso de Fabrício Proteus Chaves – baleado pela polícia militar durante uma manifestação dois dias antes –, recebeu um aviso ao deixar a Santa Casa (onde seu ex-cliente estava internado) que pode ser entendido como ameaça de morte.

Daniel deixava a Santa Casa durante o entardecer daquela segunda-feira, onde havia conversado com Proteus e sua família, a respeito da defesa do rapaz. Mal tomara as ruas para ir a um compromisso e escutou uma pessoa chamando-o pelo nome, duas vezes. “Olhei para trás, e o carro logo encostou, um carro comum, popular, de cor preta, e um dos caras dentro do carro me perguntou se eu lembrava dele”, conta Daniel. Quando olhou para dentro, o advogado pôde ver bem nitidamente a arma dos elementos à mostra dentro do carro. Assustado, deu um passo para trás. “Aí ele disse: não Daniel, relaxa, só quero conversar. Seguinte mano, o que é essa história aí? Sai fora mano, e é melhor você sair da rua também”, narrou.


Sábado, 25 de janeiro


No sábado, dia 25, houve manifestação contra a realização da Copa do Mundo no Brasil e, após alguns incidentes entre policiais e manifestantes, 135 pessoas foram detidas, “a esmo,” explica André Zanardo, outro advogado. Mas, apesar das detenções, tudo parecia tranquilo naquela noite. Os advogados passaram a madrugada na delegacia, negociando a liberação dos presos até conseguirem, e depois foram dormir em calmaria.


“Eu não estava na rua sábado. Porque eu já estava visado e todo mundo já estava me dizendo isso, daí eu decidi não ir”, conta Daniel, que combinara que sua atuação naquele dia seria restrita à delegacia, se necessário. “Quando cheguei na delegacia, o Choque bloqueou a entrada, não entrava ninguém, daí eu puxei a carteira da OAB e falei ‘ó, seguinte, advogado, dá licença, tô entrando’, cheguei lá e já estava tudo organizado, encaminhado e os advogados estavam esgotados, já estavam na sala de espera”. Segundo ele, tudo havia sido relativamente tranquilo naquela noite.


Domingo, 26 de janeiro


“No dia seguinte, acordei, liguei o celular e já entra a Folha na minha timeline com as notícias do rapaz baleado”, conta Daniel, sobre como recebeu as primeiras notícias a respeito de Fabrício, que fora baleado por duas vezes por policiais militares, no dia anterior, na esquinas das ruas Sabará e Piauí, no bairro de Higienópolis, durante a manifestação.

Sendo assim, ele e outros advogados foram direto para a Santa Casa, após chamado da família de Fabrício, onde o rapaz  baleado recebia cuidados médicos. Ao chegar no local, havia dois policiais militares na porta do quarto, impedindo a entrada da família e dos advogados.

“A defensoria nos disse que não poderia atuar naquele domingo, deram desculpas, falaram que estavam com a família, daí nós dissemos ‘ok, deixa com a gente, é uma emergência. Cuidaremos hoje e, a partir de amanhã, vocês cuidam por conta própria’”, relembra Daniel.


Conversaram com a família do Fabrício e foram para o 4o DP, na região da Consolação, buscar uma cópia do inquérito e tentar a liberdade provisória do rapaz para poder atendê-lo, já que uma situação como aquela, de policiais impedindo a entrada de familiares e advogados em um quarto de hospital, caracteriza detenção.


Na delegacia, lhes foi informado que não havia plantão e, assim, a cópia do inquérito lhes foi negada. “Ou seja, a ampla defesa do cidadão já foi cerceada”, explica Daniel.


Segunda-feira, 27 de janeiro


Às seis da manhã da segunda-feira, um outro advogado foi para a Santa Casa, conversar com a família. Como já dito, Daniel chegou por volta do meio-dia no hospital. Ao entardecer, quando começava a vigília dos familiares e amigos pela liberdade de Fabrício, precisou ir para um compromisso e acabou abordado pelas pessoas que lhe deram o tal aviso. Na mesma noite, os advogados já haviam marcado reunião na Secretaria de Segurança Pública para quinta-feira.


Terça-feira, 28 de janeiro


Durante reunião dos Advogados Ativistas, um dos membros recebeu telefonema da família de Fabrício, dizendo que havia policiais colhendo seu depoimento no quarto do hospital. Daniel se voluntariou para ir até lá. “Cheguei e estava a maior confusão. Vários seguranças no andar de baixo, não deixavam ninguém subir. O pai do rapaz no saguão do hospital, o irmão lá em cima no quarto e a prima, que ficou no corredor, após ser hostilizada por policiais. Ficaram no quarto o irmão do garoto, três delegados, um deles era um delegado seccional, um escrivão e dois investigadores, ou seja, uma equipe de seis para ouvir um rapaz que acabara de sair da UTI, de um procedimento chamado sedação profunda – que se assemelha a um coma induzido. Ele havia pedido uma dose de morfina pois estava com dor, e logo depois de tomar, os policiais chegaram”, conta o advogado.


Logo em seguida, chegou um integrante da defensoria, que foi autorizado a subir e acompanhou o final do depoimento, assinando-o na sequência.


Daniel conversou com o pai e o convenceu de que aquele procedimento era ilegal. A partir daí, a família constituiu os advogados ativistas como defensores da causa de Fabrício. Daniel e seus colegas se reuniram e começaram a traçar suas estratégias para defender o réu.


Quarta-feira 29 de janeiro


Após poucas horas de sono – os advogados terminaram a reunião por volta das 3 da manhã e acordaram às 8 –, começaram os trabalhos. Marcaram, a duras penas, uma coletiva de imprensa para as 15h, visando explicar suas estratégias de defesa da causa, já que no dia anterior haviam sido designados para tal.


Por volta das 13h, receberam um telefonema da família, comunicando que eles não estavam mais constituídos para a defesa de Fabricio. “A mãe dele se desculpou, disse que havia um advogado da família que tomaria conta do caso”, conta André Zanardo.


A partir desse telefonema, o teor da coletiva de imprensa mudou. Nela, os advogados explicaram o que ocorrera até então, disseram que não estavam mais no caso e falaram sobre a ameaça que Daniel recebeu. “No final das contas, o tal advogado não apareceu e o caso caiu novamente nas mãos da defensoria”, afirmou André.


Quinta-feira 30 de janeiro


Na quinta-feira, os advogados ativistas se reuniram na Secretaria de Segurança Pública, com Eduardo Dias, assessor do secretário Fernando Grella. Na reunião – que já estava marcada desde a segunda-feira anterior, instantes após a ameaça –, os advogados comunicaram oficialmente à Secretaria de Segurança Pública as ameaças, contrariando o que foi dado pela grande imprensa.


“Ficamos bastante irritados com alguns veículos que duvidaram do nosso profissionalismo, divulgando que nós não procuramos as autoridades. Isso não é verdade. No mesmo dia em que fui ameaçado, já havia marcado uma reunião com o assessor do Fernando Grella e foi tudo devidamente comunicado diretamente para o seu gabinete”, informou Daniel.


“Estamos em um ano completamente político, em que a polícia vai ser utilizada como um instrumento político, mais ainda do que já é, e as ruas são um baita inconveniente para os governantes. O nosso temor é o de que casos como esse, de policiais baleando manifestantes, se multipliquem”, analisou André Zanardo.

 

 

 

Raphael Sanz é jornalista.

No dia 27 de janeiro, segunda-feira, Daniel Biral, membro do grupo Advogados Ativistas, que até então estava cuidando do caso de Fabrício Proteus Chaves – baleado pela polícia militar durante uma manifestação dois dias antes –, recebeu um aviso ao deixar a Santa Casa (onde seu ex-cliente estava internado) que pode ser entendido como ameaça de morte.

Daniel deixava a Santa Casa durante o entardecer daquela segunda-feira, onde havia conversado com Proteus e sua família, a respeito da defesa do rapaz. Mal tomara as ruas para ir a um compromisso e escutou uma pessoa chamando-o pelo nome, duas vezes. “Olhei para trás, e o carro logo encostou, um carro comum, popular, de cor preta, e um dos caras dentro do carro me perguntou se eu lembrava dele”, conta Daniel. Quando olhou para dentro, o advogado pôde ver bem nitidamente a arma dos elementos à mostra dentro do carro. Assustado, deu um passo para trás. “Aí ele disse: não Daniel, relaxa, só quero conversar. Seguinte mano, o que é essa história aí? Sai fora mano, e é melhor você sair da rua também”, narrou.

Sábado, 25 de janeiro

No sábado, dia 25, houve manifestação contra a realização da Copa do Mundo no Brasil e, após alguns incidentes entre policiais e manifestantes, 135 pessoas foram detidas, “a esmo,” explica André Zanardo, outro advogado. Mas, apesar das detenções, tudo parecia tranquilo naquela noite. Os advogados passaram a madrugada na delegacia, negociando a liberação dos presos até conseguirem, e depois foram dormir em calmaria.

“Eu não estava na rua sábado. Porque eu já estava visado e todo mundo já estava me dizendo isso, daí eu decidi não ir”, conta Daniel, que combinara que sua atuação naquele dia seria restrita à delegacia, se necessário. “Quando cheguei na delegacia, o Choque bloqueou a entrada, não entrava ninguém, daí eu puxei a carteira da OAB e falei ‘ó, seguinte, advogado, dá licença, tô entrando’, cheguei lá e já estava tudo organizado, encaminhado e os advogados estavam esgotados, já estavam na sala de espera”. Segundo ele, tudo havia sido relativamente tranquilo naquela noite.

Domingo, 26 de janeiro

“No dia seguinte, acordei, liguei o celular e já entra a Folha na minha timeline com as notícias do rapaz baleado”, conta Daniel, sobre como recebeu as primeiras notícias a respeito de Fabrício, que fora baleado por duas vezes por policiais militares, no dia anterior, na esquinas das ruas Sabará e Piauí, no bairro de Higienópolis, durante a manifestação.

Sendo assim, ele e outros advogados foram direto para a Santa Casa, após chamado da família de Fabrício, onde o rapaz  baleado recebia cuidados médicos. Ao chegar no local, havia dois policiais militares na porta do quarto, impedindo a entrada da família e dos advogados.

“A defensoria nos disse que não poderia atuar naquele domingo, deram desculpas, falaram que estavam com a família, daí nós dissemos ‘ok, deixa com a gente, é uma emergência. Cuidaremos hoje e, a partir de amanhã, vocês cuidam por conta própria’”, relembra Daniel.

Conversaram com a família do Fabrício e foram para o 4o DP, na região da Consolação, buscar uma cópia do inquérito e tentar a liberdade provisória do rapaz para poder atendê-lo, já que uma situação como aquela, de policiais impedindo a entrada de familiares e advogados em um quarto de hospital, caracteriza detenção.

Na delegacia, lhes foi informado que não havia plantão e, assim, a cópia do inquérito lhes foi negada. “Ou seja, a ampla defesa do cidadão já foi cerceada”, explica Daniel.

Segunda-feira, 27 de janeiro

Às seis da manhã da segunda-feira, um outro advogado foi para a Santa Casa, conversar com a família. Como já dito, Daniel chegou por volta do meio-dia no hospital. Ao entardecer, quando começava a vigília dos familiares e amigos pela liberdade de Fabrício, precisou ir para um compromisso e acabou abordado pelas pessoas que lhe deram o tal aviso. Na mesma noite, os advogados já haviam marcado reunião na Secretaria de Segurança Pública para quinta-feira.

Terça-feira, 28 de janeiro

Durante reunião dos Advogados Ativistas, um dos membros recebeu telefonema da família de Fabrício, dizendo que havia policiais colhendo seu depoimento no quarto do hospital. Daniel se voluntariou para ir até lá. “Cheguei e estava a maior confusão. Vários seguranças no andar de baixo, não deixavam ninguém subir. O pai do rapaz no saguão do hospital, o irmão lá em cima no quarto e a prima, que ficou no corredor, após ser hostilizada por policiais. Ficaram no quarto o irmão do garoto, três delegados, um deles era um delegado seccional, um escrivão e dois investigadores, ou seja, uma equipe de seis para ouvir um rapaz que acabara de sair da UTI, de um procedimento chamado sedação profunda – que se assemelha a um coma induzido. Ele havia pedido uma dose de morfina pois estava com dor, e logo depois de tomar, os policiais chegaram”, conta o advogado.

Logo em seguida, chegou um integrante da defensoria, que foi autorizado a subir e acompanhou o final do depoimento, assinando-o na sequência.

Daniel conversou com o pai e o convenceu de que aquele procedimento era ilegal. A partir daí, a família constituiu os advogados ativistas como defensores da causa de Fabrício. Daniel e seus colegas se reuniram e começaram a traçar suas estratégias para defender o réu.

Quarta-feira 29 de janeiro

Após poucas horas de sono – os advogados terminaram a reunião por volta das 3 da manhã e acordaram às 8 –, começaram os trabalhos. Marcaram, a duras penas, uma coletiva de imprensa para as 15h, visando explicar suas estratégias de defesa da causa, já que no dia anterior haviam sido designados para tal.

Por volta das 13h, receberam um telefonema da família, comunicando que eles não estavam mais constituídos para a defesa de Fabricio. “A mãe dele se desculpou, disse que havia um advogado da família que tomaria conta do caso”, conta André Zanardo.

A partir desse telefonema, o teor da coletiva de imprensa mudou. Nela, os advogados explicaram o que ocorrera até então, disseram que não estavam mais no caso e falaram sobre a ameaça que Daniel recebeu. “No final das contas, o tal advogado não apareceu e o caso caiu novamente nas mãos da defensoria”, afirmou André.

Quinta-feira 30 de janeiro

Na quinta-feira, os advogados ativistas se reuniram na Secretaria de Segurança Pública, com Eduardo Dias, assessor do secretário Fernando Grella. Na reunião – que já estava marcada desde a segunda-feira anterior, instantes após a ameaça –, os advogados comunicaram oficialmente à Secretaria de Segurança Pública as ameaças, contrariando o que foi dado pela grande imprensa.

“Ficamos bastante irritados com alguns veículos que duvidaram do nosso profissionalismo, divulgando que nós não procuramos as autoridades. Isso não é verdade. No mesmo dia em que fui ameaçado, já havia marcado uma reunião com o assessor do Fernando Grella e foi tudo devidamente comunicado diretamente para o seu gabinete”, informou Daniel.

“Estamos em um ano completamente político, em que a polícia vai ser utilizada como um instrumento político, mais ainda do que já é, e as ruas são um baita inconveniente para os governantes. O nosso temor é o de que casos como esse, de policiais baleando manifestantes, se multipliquem”, analisou André Zanardo.

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