Correio da Cidadania

A universidade e a luta contra o atraso

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Foto: Desacato

Quando o reitor da UFSC decidiu chamar a comunidade para informar sobre possível parada do Restaurante Universitário e cortes de bolsas em função da decisão do governo federal em suspender os recursos já orçados, estava ciente de que a resposta, principalmente estudantil, seria radical. Nas duas primeiras reuniões, que foram massivas, os estudantes já indicavam que a única saída para enfrentar os cortes era estabelecer uma luta concreta contra o governo. E foi assim que começou a se articular uma greve, afinal, sem comida e sem bolsa, quem pode sobreviver na universidade?

Ao contrário do que quer fazer crer o governo, as universidades públicas não são redutos da classe rica. Pelo contrário, há uma ampla maioria de estudantes que depende das políticas de permanência para seguir estudando. Assim, sem recursos, o índice de evasão cresce, pois não há como garantir a sobrevivência. Só que quem batalhou tanto para entrar na universidade, ultrapassando barreiras já tão desiguais, não quer abrir mão desse direito e por isso os grupos foram se organizando e articulando um movimento de parada. Seguia o velho – mas sempre necessário – bordão: paramos agora para não parar para sempre.

Na UFSC a movimentação estudantil seguiu fora das veredas do Diretório Central dos Estudantes. E os cursos foram fazendo suas assembleias e decidindo por uma parada geral. Em pouco tempo já eram vários cursos com greve decretada e o movimento cresceu. Os professores fizeram uma assembleia virtual discutindo o tema da greve e decidiram por não parar. E os técnico-administrativos, tentando construir um movimento unificado nacionalmente, também não aderiram à greve – por enquanto. Os estudantes ficaram sozinhos. Ainda assim, foram resistindo, mesmo com grande refluxo em várias frentes.

A tentativa de uma resposta nacional aos ataques do governo, que segue cortando verbas e tentando empurrar o projeto Future-se pela goela abaixo, fez com que as três categorias se unissem numa greve de 48 horas nos dias 2 e 3 de outubro. A proposta seria a de mobilizar toda a área da educação, e não apenas as federais, em grandes atos pelo Brasil afora.

Na UFSC a proposta de parada geral nesses dois dias foi aprovada pelas três categorias: estudantes, professores e técnico-administrativos. Assim, na terça-feira, dia 2, a universidade amanheceu com todos os seus centros de ensino fechado. O ato de trancamento das portas foi realizado por estudantes e já provocou as reações que são comuns àqueles que se negam a seguir as orientações das assembleias.

Entre os TAEs, que não estavam dispostos a parar e vieram para o trabalho normalmente, encontrar as portas fechadas causou aborrecimento, mas a maioria deu meia volta e foi para casa. Outros se somaram às atividades promovidas pelo sindicato, que constaram de palestras, cursos, aulas, públicas e oficinas. Uma parte também acompanhou professores e estudantes em uma atividade no centro da cidade, onde mostraram à comunidade os projetos e as atividades desenvolvidas pela universidade.

Já com os professores, a reação foi diferente. Os que não aceitam a paralisação provocaram algumas confusões, como agressões verbais e empurra-empurra. As ações mais truculentas, como sempre, foram registradas no Centro Tecnológico (CTC), historicamente conservador. A polícia foi chamada para garantir que as portas se abrissem e estudantes e professores pudessem entrar para suas atividades normais. Como sempre, registraram-se os momentos de tensão e conflito. Ainda assim a universidade parou no primeiro dia.

Na quarta-feira, segundo dia da greve, a universidade amanheceu com mais uma ação de força por parte dos grevistas. Desta vez, além de manter as portas fechadas, estudantes e trabalhadores fecharam as entradas do campus, impedindo que também os carros pudessem circular pela universidade. A ação mais importante do dia seria no centro da cidade, com um grande ato público. De novo, no CTC, a proposta foi a de chamar a polícia para garantir o acesso. E, outra vez, registraram-se os confrontos.

Na parte da tarde, a mobilização se concentrou em frente à catedral onde estudantes e trabalhadores das universidades se juntaram a outras forças da educação pública, sindicalistas e movimentos sociais.

O saldo dos dois dias de luta na UFSC foi bastante positivo, ainda que tenha havido críticas por parte de alguns grupos de que forçar o fechamento dos centros e bloquear as ruas não incentiva o diálogo. Ocorre que o diálogo vem sendo feito há meses, com reuniões, assembleias, encontros de debates, e momentos há em que as medidas precisam ser mais radicais.

Afinal, estava definida uma greve de 48 horas, com votação em todas as categorias. Os conflitos com estudantes que querem aula ou trabalhadores que não querem parar são os conflitos necessários num processo de luta. Não há como ser diferente. E é nessa correlação de forças que as ações vão se definindo. Além do mais, historicamente, na defesa da universidade pública esse embate sempre foi assim, é a ação de força dos grupos organizados que tem garantido a permanência do ensino superior público e gratuito.

Em nível nacional o governo segue sua pregação a favor do Future-se, sem parada. Ao que parece, as mobilizações e os protestos não lhe fazem cócegas, o que significa que novas estratégias precisam ser acionadas. Nas próximas semanas novas rodadas de discussão entre trabalhadores e estudantes serão realizadas, para avaliar os passos dados até agora e definir caminhos novos.

Os estudantes deverão avaliar ainda hoje (04.10) se continuam a greve isoladamente na UFSC ou buscam articulações nacionais. No campo dos técnico-administrativos está se desenhando a possibilidade de uma greve por tempo indeterminado, visto que além do Future-se, que atinge a todos sem distinção, há outras propostas na área administrativa que também tocam de maneira bastante profunda essa categoria especificamente. Assim que a batalha está longe de terminar.

A luta travada hoje dentro das universidades é pela manutenção do ensino público, pela garantia da autonomia e da democracia tão duramente conquistadas, pela soberania nacional na construção de um conhecimento crítico, pelo direito à educação. Há por parte do governo o firme propósito de elitizar as instituições de ensino, de tomar o controle com a nomeação de interventores, sem que a vontade da maioria seja respeitada, privatizar o ensino e manter o país na dependência científica, tecnológica e econômica.

O projeto Future-se segue sendo o carro chefe e, ainda que várias universidades tenham dito não à proposta, o governo continua trabalhando nessa direção.

Não bastasse isso a crise econômica se aprofunda e deverá abrir novas chagas. O final do ano não deverá ser de paz.

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC.

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