Correio da Cidadania

Luta pelo Parque Augusta dialoga com todas as pautas pelo direito à cidade

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Cercado por um dos mais intensos processos de verticalização urbana em São Paulo, o entorno da rua Augusta caminha a passos largos para deixar de ser uma referência da boemia e tornar-se mais um símbolo de gentrificação. Para simbolizar o processo, acabamos de ver o despejo da ocupação do “Parque Augusta”, promovida por mais um movimento social dito de “novo tipo”, em favor de construtoras que pretendem erguer duas torres comerciais no local. Agora, as proprietárias Cyrella e Setin acenam com negociações pela venda do terreno, não se sabe a que preço. O caminho para um parque 100% verde, como quer o movimento, ainda é longo.

 

“Pleiteamos e desejamos um novo tipo de parque no centro de São Paulo, que tenha gestão direta e inclusiva da população, trabalhando a ideia de se configurar como centro cultural. Nossa estratégia de reversão do despejo é trabalhar pra fortalecer o movimento, desenvolver o desenho do projeto de gestão e, ao mesmo tempo, lutar pelo barateamento do valor de venda do terreno, com o horizonte de pagar zero e, talvez, aplicar multas às construtoras pelos crimes cometidos”, explicou Daniel Scandurra, representante da ocupação, em entrevista ao Correio.

 

Tal como em outras pautas, a prefeitura de Fernando Haddad, visto por muitos como um oásis progressista em meio a décadas de domínio político conservador na metrópole, adota postura dúbia. Se em janeiro acusou o Movimento Passe Livre de ser contra a destinação de mais verbas à Educação, agora acusa os ambientalistas de se oporem às – indiscutíveis – demandas por moradia. Obviamente, o faz dissimulando os interesses empresariais que seu partido tão bem atende, mesmo depois de ter sancionado lei em favor da legalização do parque.

“A prefeitura afirma que somos contra o movimento por moradia. Precisamos fazer o trabalho oposto, no sentido de mostrar que a causa ambiental não é contrária à da moradia, tal como não é contra a educação. O tipo de parque que queremos são os parques-escolas, espaços de cultura, de encontro, para desenvolvimento de outros temas que não são exclusivos ao meio ambiente”, contextualizou, mencionando também a disputa em torno do Parque dos Búfalos, no Jardim Apurá, ao sul da capital do estado.

 

A entrevista completa com Daniel Scandurra, realizada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: A disputa pelo Parque Augusta, entre cidadãos e construtoras, é um dos símbolos recentes das pautas referentes ao direito à cidade. Como foi, para vocês, o despejo e reintegração de posse?

Daniel Scandurra: Na reintegração, não tivemos quase nenhum contato com a polícia. Temos nossos advogados, que mediaram a situação e trouxeram a notícia da reintegração no dia 4 de março, da qual já sabíamos desde fevereiro. As pessoas que tinham vontade de dialogar com a polícia o fizeram de forma autônoma. Também falaram com o Eduardo Suplicy, que conseguiu exercer influência no sentido de se promover uma reintegração não violenta. Mas, oficialmente, o movimento não chegou a deliberar sobre algum acordo com a polícia.

 

Nossa estratégia acabou refletindo uma multiplicidade de táticas, com pessoas que queriam permanecer, ficar em árvores, e outros que acharam melhor e mais maduro sair antes, por conta de outras questões, relacionadas à gestão do espaço. No fim das contas, acabou sendo tudo natural e a confusão de táticas se sincronizou de forma interessante.

 

Tivemos uma cobertura massiva da mídia e ao mesmo tempo melhoramos nosso trabalho micropolítico de fortalecimento do movimento. E assim seguimos.

 

Correio da Cidadania: Ainda acredita na reversão política e jurídica do despejo?

 

Daniel Scandurra: Pleiteamos e desejamos um novo tipo de parque no centro de São Paulo, que tenha gestão direta e inclusiva da população, trabalhando a ideia de se configurar como centro cultural etc. Nossa estratégia de reversão do despejo é trabalhar pra fortalecer o movimento, desenvolver o desenho do projeto de gestão e, ao mesmo tempo, lutar pelo barateamento do valor de venda do terreno, com o horizonte de pagar zero pelo imóvel e, talvez, aplicar multas às construtoras pelos crimes cometidos.

 

Por um lado, achei interessante a saída do parque, porque estávamos focados em como mantê-lo aberto e agora podemos nos concentrar em entrar de novo, com muito mais força política e sem perder tempo com futilidades.

 

Correio da Cidadania: Agora vemos que existe essa negociação em torno do preço do terreno a ser pago para as construtoras, ainda que a meta seja pagar zero ou algo próximo disso. Como analisa a postura da prefeitura de Fernando Haddad, que chegou a sancionar um projeto de lei pela legalização do parque, em relação ao assunto?

 

Daniel Scandurra: No final de 2013, o Haddad assinou uma lei que pensávamos que daria vida para o Parque Augusta, sem prédios. Porém, três dias depois, as construtoras fecharam, de maneira arbitrária, todos os seus acessos, numa clara estratégia de desarticulação do movimento, achando que o enfraqueceriam. Mas aconteceu o contrário, passamos a nos organizar muito melhor e a nos autodenominar “Organismo Parque Augusta” – justamente porque tivemos de nos organizar pra nos manter ativos, mesmo fora do parque.

 

A partir daí, passamos a criar nossa própria narrativa da pauta, nos diferenciando de outros movimentos, que também lutam pelo parque, mas, talvez, não estejam tão preocupados com a forma de desapropriação e a eventual gestão, como no nosso caso.

 

Assim, 2014 foi ano de nos afirmarmos como movimento autônomo, ao mesmo tempo em que criamos nossa própria narrativa de diálogo com a prefeitura. Fizemos reuniões com o Concresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), tentamos diversas vezes falar com o Haddad, tivemos reunião com a Nadia Somekh (presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio da Prefeitura), com representantes do secretário de Cultura, na época o Juca Ferreira... Encontramos espaços, mas também dificuldades de sermos vistos como movimento autônomo dentro da pauta do parque.

 

A prefeitura tende a ver todos os ativistas ligados à causa como um movimento só. Assim, negou reuniões conosco, alegando já as estar realizando. Aos poucos, fomos cavando espaços, tivemos portas fechadas e, em janeiro de 2015, encontramos uma brecha, reocupamos o parque e nos estabelecemos lá dentro.

 

Agora, sim, tivemos nossa legitimidade reconhecida e começamos a criar um diálogo construtivo. Digo construtivo porque acredito existirem pessoas na prefeitura que também querem o parque sem prédios, e pelo preço mais baixo possível. Portanto, precisamos criar maneiras de dar continuidade ao projeto.

 

Correio da Cidadania: Houve algum preconceito de movimentos sociais e grupos políticos mais tradicionais quanto à luta de vocês? Poderia ter havido uma força política maior em favor do parque?

 

Daniel Scandurra: Lidamos com isso todos os dias nas assembleias, reuniões, grupos de trabalho e estudo, numa série de análises de conjuntura, sobre como dialogar com outros movimentos e outras causas. Percebemos certo preconceito, mas compreendo, porque somos muito novos, estamos em formação, o movimento tem apenas um ano e só agora podemos realmente nos dizer um movimento social ambientalista.

 

Não é preconceito a palavra, mas há receio de se envolver de primeira com a causa do parque. Estamos construindo o movimento e não é só por parte dos movimentos sociais que há certo olho torto. A prefeitura em si estimula essa pseudo-rixa. Quando começamos a nos conectar com outros movimentos por parques pela cidade, como o do Parque dos Búfalos, vimos uma disputa. Quando começou a dar mídia, outros movimentos vieram se envolver. No Parque dos Búfalos, está posta a questão de, futuramente, se tornar um parque ou um conjunto prédios de moradia popular da prefeitura.

 

Assim, a prefeitura afirma que somos contra o movimento por moradia. Precisamos fazer o trabalho oposto, no sentido de mostrar que a causa ambiental não é contrária à da moradia, tal como não é contra a educação. O tipo de parque que queremos são parques-escolas, espaços de cultura, de encontro, para desenvolvimento de outros temas que não são exclusivos ao meio ambiente.

 

Estamos com dificuldade de criar diálogo com o Movimento Passe Livre (MPL), o movimento da Favela do Moinho, mas é natural, por dois motivos: primeiro por sermos muito novos e estarmos em formação; segundo, pela pecha de causa elitista que carregamos, reforçada também pela mídia e pelo próprio poder público, que coloca a causa ambiental como contrária à causa da moradia.

 

Pra finalizar, me estimula muito estar nessa causa, vejo na pauta uma possibilidade de comunhão com as demais. Porque, a partir do momento que somos a favor também do Parque dos Búfalos, temos, necessariamente, de trabalhar a ideia da moradia, afinal, somos contra a criminalização do movimento que está lá lutando pela moradia. E também temos de ajudá-los a encontrar soluções, seja conscientizando a comunidade sobre a importância da preservação dos mananciais, seja atuando e fortalecendo a luta política da moradia em toda a cidade, a fim de encontrar outras opções para essas pessoas morarem.

 

Áudio da entrevista

 

Leia também:

‘Estamos apenas começando a debater e construir política cultural no Brasil’ – entrevista sobre a ocupação Cultural da Casa Amarela, na rua da Consolação, centro de São Paulo.

 


Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.

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