Correio da Cidadania

Orçamento 2025 é clara ameaça a áreas essenciais

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Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade.

Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com controle de fluxo), o governo parece pressupor o fim do piso constitucional já a partir de 2025. Isso confirma e ratifica as declarações recentes da equipe econômica, que se opôs publicamente aos atuais mínimos constitucionais para saúde e educação, conquistas históricas do nosso povo.

Para que as projeções e/ou projetos do governo apontados no texto se concretizem de fato, é necessário que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja aprovada no Congresso ainda neste ano, revogando os atuais pisos constitucionais da saúde e da educação. Portanto, nada está perdido. Ainda.

O PLDO revela intenções claras do governo de promover um declínio contínuo nos gastos com saúde de 2025 a 2028, representando um retrocesso flagrante em comparação com o modelo atual. Para 2024, a projeção de gastos começa em R$ 153,4 bilhões e segue uma trajetória de queda anual, atingindo R$ 148 bilhões em 2028 (a preços de 2024).

Essa redução é ainda mais drástica para essa variável específica que o congelamento imposto durante a gestão Temer, configurando uma verdadeira trajetória de 'derretimento', conforme descrito na tabela 7 do PLDO 2025.

Em decorrência da contínua e deliberada deterioração relativa dos gastos com saúde, o governo prevê diminuir a proporção desses gastos em relação ao PIB de 1,33% em 2024 para 1,15% em 2028 (tabela 6).

É importante ressaltar que o anúncio deste projeto ocorreu no mesmo dia em que foi divulgada uma suposta parceria entre o governo e o Congresso para a aprovação de uma PEC que visa estabelecer um piso para aumentar os gastos com as Forças Armadas de 1,2% do PIB para, no mínimo, 2%.

Há também a promessa de redução do tamanho do Estado como um todo em proporção ao PIB.

O diagnóstico do governo é claro: considera que o Brasil gasta muito com saúde, educação e demais áreas públicas. Portanto, pretende construir uma economia com mais mercado e menos Estado. Concretamente, promete reduzir os gastos primários totais de quase 19,63% do PIB em 2023 para 17,85% em 2028 (PLDO 2025, p. 146).

Um trecho curioso do PLDO é quando o governo menciona que pretende realizar uma ampla revisão de gastos com o seguinte objetivo:

"O processo de revisão de gastos no âmbito do Poder Executivo federal surge como uma resposta estratégica e proativa a três desafios: (1) reduzir a pressão das despesas obrigatórias, que têm previsão de crescimento, por força legal e de movimentos sociodemográficos (...)."

Sinceramente, é razoável para um governo progressista atuar para reduzir despesas que tendem a crescer para acompanhar o aumento da demanda da população por um determinado serviço?

Como a população brasileira está envelhecendo, por exemplo, há obviamente pressão para a ampliação com gastos em saúde. Diante deste cenário a atitude sensata é atuar para reduzi-los?

Antecipando-se às críticas, o governo defende que os cortes de gastos serão compensados por um 'aumento de eficiência'. Naturalmente, argumentam que o cerne dos problemas na saúde e educação reside na eficiência. Segundo essa lógica, reduzindo os salários dos professores e dos profissionais de saúde, a eficiência, por consequência, aumentaria.

Detalhe: embora o governo, por motivos óbvios, não mencione explicitamente saúde e educação como alvos diretos das revisões, as tabelas anexadas e o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro deixam claro essa intenção. O relatório revela que foram realizados estudos visando a retirada de mais de R$ 500 bilhões dessas áreas até 2033.

 

Diante deste cenário de contração fiscal dos gastos e investimentos públicos, como o governo pretende gerar crescimento econômico nos próximos?

1) Contração fiscal expansionista e... progressista. Baseados em suposições sem evidências, apostam que a reforma tributária e a contração fiscal reduzirão significativamente 'a tal taxa neutra de juros' (p. 123). Esta hipótese neoliberal, amplamente falha e ridicularizada por fartas evidências históricas, é hoje criticada até pelo FMI. Apenas os mais ardorosos defensores do neoliberalismo ainda sustentam a tese de uma contração fiscal expansionista. Até Alberto Alesina, o arquiteto dessa teoria, agora admite suas falhas. Contudo, o governo promete que dessa vez a contração fiscal vai funcionar tão bem que além de ser expansionista será progressista, algo que será inédito na história do capitalismo.

2) As chamadas medidas microeconômicas, principalmente a ampliação da facilidade do sistema financeiro em executar garantias de devedores, como carros, casas e afins. Prometem que isso também reduzirá juros. A Febraban apoia efusivamente a medida que ela mesmo construiu e garante que os juros no Brasil são altos porque o nosso povo fica dando muita volta nos pobres bancos.

3) Citam medidas de incentivo ao investimento privado, especialmente ambientais, como o chamado Plano de Transformação Ecológica. Será o mercado salvando o meio ambiente da destruição que ele mesmo gera.

4) Consideram que a suposta inovação do programa de hedge cambial para reduzir o risco do especulador externo vai atrair investimentos.

Prosseguem com um espetáculo de platitudes neoliberais, tão familiares aos discursos dos tucanos ao longo das décadas.

Entretanto, não posso terminar esse texto sem mencionar algo que me chamou bastante atenção: a curiosa aposta na ampliação da dívida externa. Aqueles minimamente familiarizados com a economia brasileira entendem bem o risco de trocar dívida emitida na nossa própria moeda por dívida em dólares e outras moedas fortes. No entanto, para o governo, parece não haver diferença alguma. Vejam esse trecho de uma matéria assinada pelo Tesouro Nacional:

"A emissão reforça o papel importante da dívida externa em termos de alongamento de prazo, diversificação de indexadores e da base de investidores (...)"

Por fim, o governo conclui no PLDO que é a austeridade fiscal que vai matar a fome e a insuficiência de serviços públicos no Brasil:

"Políticas fiscais bem elaboradas, dentro de um arcabouço que prima por responsabilidade fiscal, podem mitigar os problemas sociais que assolam a população brasileira, como a fome, a oferta ainda insuficiente dos serviços públicos e as desigualdades". 

David Deccache é doutor e mestre em Economia, assessor Econômico na Câmara dos Deputados do PSOL e Diretor do Instituto das Finanças Funcionais ao Desenvolvimento. Coautor do livro Teoria Monetária Moderna.

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