Correio da Cidadania

E o medo venceu a esperança

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Não há novidade na adesão dos de cima a Bolsonaro. Embora xucro e vulgar, a violência que ele encarna é, em primeiro lugar, uma violência de classe. O drama é a adesão popular. Na ausência do líder carismático, o subproletariado que sustentou o lulismo pendeu para Bolsonaro, exceto no Nordeste. Todo brasileiro conhece quem já votou no Lula e agora, elegeu o capitão. Lula estava preso, mas quem votou, não estava. O que aconteceu?

Descartando-se a hipótese de que todos que nele votaram são fascistas ou foram manipulados contra o PT, este deslizamento sugere a incômoda hipótese de que o bolsonarismo é o oposto do lulismo – seu lado B, e não o seu contrário.

É certo que o antipetismo envenenou o debate, mas diversos candidatos empunharam esta bandeira. Homem da velha política, Bolsonaro vendeu-se como o novo. O segredo pode ter sido a forma e não o conteúdo: o capitão maneja a linguagem da brutalidade, que um povo brutalizado conhece e entende. De um modo perverso, fala com o povo, como Lula. No processo, se diferenciou dos candidatos almofadinhas e dos candidatos de sempre. Se Lula despontava como um messias, Bolsonaro virou um mito.

2.

Ainda que de forma postiça, Bolsonaro projetou-se do lado de quem, como ele, não articula bem as ideias, nem entende muito das coisas. Defendeu valores e não um programa. Daí o diálogo fluido com os evangélicos.

A campanha petista, por sua vez, apostou na vitimização de Lula e depois, em fazer dele o candidato por trás do candidato: “Haddad no governo, Lula no poder”. De um jeito ou de outro, a campanha foi modelada pelo lulismo até o início do segundo turno, sem discutir os problemas do país nem o governo Temer.

Tampouco atacou-se Bolsonaro. Como disse Maringoni, Lula pretendeu transformar as eleições em um plebiscito sobre si mesmo. Neste processo, o partido contribuiu para despolitizar a disputa e deslocá-la para o plano moral.

3.

Se a campanha petista brandiu pela justiça, o principal valor evocado por Bolsonaro foi a ordem, o que para ele significa concluir a obra inacabada da ditadura. Talvez seja esse, afinal, o seu programa.

Paulo Arantes sugere a seguinte hipótese: no passado, os militares associaram seu poder à industrialização do país, que arrancou e se consolidou entre duas ditaduras: o Estado Novo e o golpe de 1964. Confrontados com a regressão industrial e a degradação social, agora os militares jogaram a toalha, desistindo de um Brasil potência. Então, arregaçam as mangas para uma gestão armada da vida social, visando segurar em pé um país que se desmancha. Apostam suas fichas em uma relação privilegiada com os Estados Unidos, em um contexto de salve-se quem puder global.

Lula enviou o general Augusto Heleno para comandar a missão da ONU no Haiti, pensando em fazer do Brasil um “global player”. O general voltou pensando em como evitar que o Brasil se faça um Haiti. Barrado como vice de Bolsonaro por seu partido, Heleno se servirá desta experiência como ministro da Defesa no novo governo.  

4.

À maneira colombiana, as mentiras da direita intoxicaram a campanha, travaram o debate e acuaram a esquerda. Antes de mais nada, são mentiras porque acusam pela esquerda, quem há muito se empenha na direção contrária. Foi por iniciativa própria que o PT tirou o vermelho da campanha. Para mostrar aos brasileiros o que é direita, foi preciso inventar uma esquerda. Se a luta de classes não foi superada é por culpa deles, não do Lula.

O antipetismo dos de cima não tem como alvo o que o partido é, mas o que ele representa: o PT surgiu como o primeiro instrumento político autônomo dos trabalhadores brasileiros - um momento em que a senzala levantou a cabeça, e se organizou.

O antipetismo dos de baixo é uma mistura complicada, que inclui uma profunda frustração com o PT, transmutada em raiva. Descobre-se afinal, que a esperança não venceu o medo, porque nunca o enfrentou. Assim, o medo sequestrou a esperança. Agora, a esquerda tem a tarefa de libertá-la.

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Fabio Luis é professor da UNIFESP, autor de “Além do PT. A crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana”.

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