Correio da Cidadania

“Caso dos 23 do RJ deve ser levado às Nações Unidas”

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No cair da noite da última quinta-feira, 2, foi realizado em frente à Faculdade de Direito do Largo São Francisco um ato público em solidariedade aos 23 manifestantes do Rio de Janeiro recentemente condenados pelo juiz Flavio Itabaiana – e também aos 18 manifestantes paulistas processados em São Paulo. A acusação levada a cabo foi de associação criminosa e corrupção de menores durante os atos de 2013 no Rio e também pelo acampamento ‘Ocupa Cabral’, em frente à casa do ex-governador do estado, condenado e preso por corrupção.

O ato consistiu em uma conversa pública, na qual diversas pessoas ligadas à pauta puderam falar e expressar suas preocupações com relação ao futuro da democracia brasileira e prestar solidariedade aos manifestantes perseguidos. No final das falas, uma breve caminhada foi realizada até o prédio do Fórum João Mendes.

Separamos, aqui, trechos das principais falas.

Jandyra Mendes, mãe de Igor Mendes (um dos 23 do Rio)

Posso dizer a todos que a luta é dura, minha gente. Os 23 do Rio de Janeiro foram condenados de cinco a treze anos de regime fechado. Em um primeiro instante, todos nós ficamos chocados com a decisão do juiz. Logo veio à minha cabeça que é gravíssimo. As perseguições políticas e as prisões abrem um precedente para a perseguição de todos os movimentos sociais no país. Coibir manifestações é coibir o direito democrático. E estamos aqui reivindicando esses direitos.

Sou uma mulher do povo, mãe, filha e avó. Pergunto: qual é o problema desses jovens terem ido pra rua contra a Copa do Mundo de 2014 uma vez que não tínhamos condições de receber uma Copa do Mundo aqui no Brasil? Não dá pra ter Copa do Mundo faltando comida na mesa do povo, salários atrasados, casas que foram derrubadas, além do caso da aldeia Maracanã, de onde os índios foram expulsos.

Foram várias arbitrariedades em nome daquela Copa do Mundo e o que nos restou agora? A caótica situação do Rio de Janeiro. Esses milhares de jovens que foram às ruas, não só os 2, sabiam das consequências: desemprego, tudo fechado, estado quebrado. Eles sabiam da situação. Jovens do povo, esclarecidos. Não foram pra rua fazer bagunça, estavam externando suas condições e exigindo do governo que olhasse com dignidade para o seu povo.

Eu, como mãe, me sinto preocupadíssima, não só com o meu filho - que ficou sete meses em uma penitenciária de Bangu porque estava simplesmente em uma atividade cultural no dia dos professores em 3 de dezembro de 2014, e permaneceu sete meses ali – mas com todos os outros que têm sido perseguidos. Mais do que ninguém, tenho motivos pra abraçar a causa junto dos familiares, todos os que sentirem à vontade e necessidade de nos procurar, estaremos juntos, lutando juntos, por todos e por todas, por direitos, porque não é admissível calar a voz dos jovens. Podem prender, encarcerar, mas jamais prenderão os pensamentos de uma pessoa. Esse é um país de castas, que vive um preconceito constante, onde negro, pobre e favelado é discriminado, morto, preso e perseguido todos os dias.

Isso Não existe. Não pode acontecer. Espero que todos se unam e estejam atentos. Abre-se um precedente, daqui a pouco vão prender aleatoriamente qualquer pessoa que tiver uma palavra contra o sistema. Trago o abraço da Comissão de Pais e Familiares dos Presos do Rio de Janeiro e muito obrigado pela atenção de todos. Estamos juntos!


Legenda: Jandira, mãe de Igor Mendes

Gabriela Holz, companheira do Filipe Proença (23 perseguidos do Rio)

O processo tem inúmeras denúncias a serem feitas em suas centenas de páginas. Se ficarmos aqui falando de cada atrocidade que apresenta ficaríamos até amanhã de manhã e quiçá não desse tempo de falar sobre tudo.

Nas prisões dos 23 houve várias arbitrariedades. Uma companheira que mora na favela da Maré – e muita gente acha que esse é um processo de estudantes universitários, brancos, burgueses, e não é verdade, tem moradores de favelas entre os 23 – contou que quando os policiais entraram encapuzados na sua residência, xingaram sua mãe, chamaram a casa de ‘muquifo’, levaram a irmã de 15 anos de idade presa em um tanque – é assim que a polícia do Rio de Janeiro trata sua população – e torturaram essa menina no DEGASE. E disseram que iam prender os pais dela. Ela ficou lá por meses, sem saber se os pais estavam presos ou não.

Os 23 têm seus direitos políticos cerceados, ou seja, nosso estado democrático de direito é uma falácia. Não podem participar de manifestações públicas, nem sair do Rio de Janeiro e todos os meses têm de assinar o processo em cartório, passíveis de receberem mandados de prisão caso não se apresentem. Sofrem perseguição nos seus locais de trabalho por simplesmente terem se organizado politicamente. Esse é um processo político e ideológico, é a faceta de um Estado racista, genocida e fascista.

Todo militante acusado que sentava no banco dos réus era perguntado se era comunista ou anarquista, como se ideologia política fosse crime no nosso país. Caio e Fábio, acusados pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, ficaram na solitário por muito tempo, o que é ilegal mesmo dentro do nosso estado cruel de injustiça. Lá eles recebiam por dia apenas 2 litros de água, para beber, se lavar e se refrescar, no calor que faz o Rio de Janeiro. Sofreram espancamentos na penitenciária e o Caio nos mandou a seguinte carta:

“Venho aqui representar os jovens pobres e periféricos que sofrem constantemente com a segregação social, que acontece com o povo e não aparece na TV. Experimenta ser preto e pobre para ver que as oportunidades são diferentes. Quero agradecer a todos os presentes nesse evento, grande parte dos jovens que eram de onde eu vim não têm motivos para prosseguir. Estou aqui para mostrar que ainda existem sobreviventes. Não há grades ou qualquer forma de opressão que possa destruir nossas ideias, não há como parar ideias. Como dizia Castro Alves: assim como o céu pertence ao condor, a praça pertence ao povo. Esse é o lugar que nossa juventude tem que ocupar. Mas nós que lutamos contra esse sistema fascista somos tristes, é verdade, há uma dor pungente em nosso coração. Sofremos assim porque somos perseguidos, os nobres usam a pena, nós a resistência, eles mandam nas parises e nós nas montanhas. Uso as palavras dos sertanejos arretados de Canudos: avança a fraqueza do governo, esse é o momento em que devemos permanecer fortes e unidos, a nossa luta é por uma sociedade melhor e igualitária. Tentaram calar nossa voz e não conseguiram. Passei por grandes torturas no sistema carcerário. Até artefatos foram jogados na minha cela com o intuito de me matar. Precisei passar por tudo isso para dizer a vocês que resistir é preciso. Caio Silva, 24 de julho de 2018”.

Quero terminar dizendo que o processo colocou no encalço dos militantes a polícia civil, infiltrados da força nacional, milhares de horas de escutas telefônicas, e ainda assim o Estado não conseguiu nenhuma prova contra eles. Não há nenhuma prova material consistente que leve à condenação, a base desses sete anos de condenação para o juiz é de que os militantes teriam a ‘personalidade distorcida’, que não respeitariam os poderes constituídos vigentes. Ou seja, não tem nenhuma prova material contra tais pessoas.

O processo é tão surreal e sem credibilidade que o teórico anarquista russo, Mikhail Bakunin, falecido há quase dois séculos, está arrolado como ‘suspeito’. O que essa ‘democracia’ entende de política? Nada, apenas entendem dos seus próprios interesses. E tudo o que foi gritado em 2013 hoje se mostra ser verdade. Cabral está preso, a cúpula da FIFA idem, as UPPs faliram, Marielle Franco foi assassinada, todos os dias jovens são assassinados por policiais indo para a escola. Não vão calar a nossa voz!

Hugo Albuquerque, advogado que acompanha o caso dos 18 de SP

Vemos um movimento de repressão política, com uso da lei penal ordinária para fazer a repressão. Se alguém realmente acreditasse que esses grupos estavam fazendo alguma coisa perigosa e pondo a vida das pessoas em risco, estariam enquadrando-os na lei de segurança nacional – pois da forma como as estão enquadrando já passa um recibo de que há perseguição e criminalização da luta social.

Os 23 do Rio são acusados de associação para prática criminosa, mas qual atividade criminosa foi a eles atribuída? Participar de manifestação? Isso é muito sério, escapa de qualquer escopo técnico-jurídico e mostra uma natureza política e autoritária, de fechamento do nosso Estado, e temos de ter consciência de fechamento total do regime, dependendo do que ocorra nessas eleições.

O caso dos 23 tem que ser levado às Nações Unidas, pois é algo sem cabimento. E aqui em São Paulo tivemos um caso posterior que ocorreu em setembro de 2016 em uma manifestação contra o Temer. Inclusive é difícil comparar. A acusação é parecida, ainda que não comparável, pois os 18 de São Paulo sequer chegaram a ir na manifestação. Sequer constituíam um coletivo, nada. Era uma série de garotos e garotas, reunidos por um oficial da inteligência das forças armadas e que foram detidos, presos, processados e mantidos incomunicáveis no DEIC.

Vemos um processo surreal onde as pessoas são tomadas por cristo, pra passar o seguinte recado: ‘não saia e não se manifeste, senão isso pode acontecer com você também, pois acontece com qualquer um’.

Esse caso dos 18 de SP vai além da criminalização, pegaram pessoas aleatórias. Um menino que estava de skate na rua, outro que estava estudando no Centro Cultural, e são jogados como em uma rede de pesca, presos em uma operação que parecia uma operação de contraterrorismo real, com participação de um oficial que foi escondido em quase todo o momento do processo. Oficial este que hoje está sendo investigado, mas ainda assim o processo contra os jovens continua andando.

É um processo diferente (dos 23 do Rio), mas o contexto da perseguição é o mesmo. Acabamos a fase de instrução – o oficial que tentaram esconder foi trazido a lume, ele próprio admitiu que não tinha nenhuma autorização administrativa ou judicial, nada que justificasse a sua operação, e é nesse estado de coisas que estamos vivendo.

Quem achava ser coisa do passado está enganado. É algo que está no presente e que pode destruir o nosso futuro. Ou estamos unidos nesse momento, com um senso claro da gravidade da situação, ou estamos perdidos. Voltamos a ter presos e perseguidos políticos, por um aparato que passa por polícias, forças armadas, judiciário, grande imprensa, e isso é terrível - está acontecendo - e é o Brasil de hoje. Temos que lutar para defender tais pessoas e colocar o Estado brasileiro em xeque, levando estes casos à ONU.
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A. – uma das 18 perseguidas políticas de SP que teve a identidade preservada por não poder participar de manifestações públicas

Foram 23 presos em São Paulo, 18 condenados. Tinham 3 menores, eu era uma das menores. Isso não é nenhum orgulho. Não gosto quando as pessoas batem palma quando me apresento assim, porque foi algo muito ruim que aconteceu comigo e não desejo pra ninguém. A gente vive uma conjuntura muito difícil, e eu queria prestar minha solidariedade aos 18 de SP e aos 23 do Rio.

Nós aqui de SP não éramos um coletivo, um grupo, nada. Apenas jovens que foram pra rua reivindicar direitos. E quando se vai para a rua, a gente sabe que vão vir balas de borracha, perseguição, prisão, seu psicológico vai ficar em frangalhos, pra no final vir um Balta (infiltrado do exército) e armar uma coisa dessas.

A ditadura não acabou, e se não tivermos forças pra lutar, o sistema vai nos derrubar. Uma coisa que mudou muito a minha forma de encarar a militância, foi quando estávamos em um corredor do DEIC e os policiais pegaram as armas de lazer, apontaram no nosso peito e falaram assim: “vocês não queriam a ditadura? Agora estão recebendo-a”.

Davi Quintanilha, Defensoria Pública de SP

Vemos que o sistema de justiça não tem recebido esses casos (de perseguição a manifestantes) de maneira adequada, é sempre em um tom de repressão e de criminalização. Tanto que entramos com uma ação civil pública que tem uma sentença que determina o plano de atuação da polícia. Mas a sentença está suspensa, ainda estamos tentando traçar estratégias para levar a ação adiante com o Conectas e o Artigo 19.

Temos casos de pessoas que foram agredidas durante manifestações, umas até perderam a visão. Ainda nesse semestre devemos levar os casos pra ONU, pois internamente não recebem a devida atenção. Cabe no momento constranger o Estado Brasileiro internacionalmente para que haja uma resposta adequada, pois o direito à manifestação é um direito humano básico essencial à democracia. Sem esses direitos, sem a liberdade de expressão, não há democracia. A defensoria está sempre à disposição.

Luciana Zaffalon, IBCCRIM e ex-ouvidoria da defensoria pública

Gostaria de aproveitar o momento de reflexão coletiva em frente à principal faculdade de Direito do Estado de SP, ao lado do MP, da Secretaria de Segurança Pública que chefia tanto a polícia civil quanto a militar do Estado – e, como o Davi bem colocou, do outro lado da repressão que vemos sobre os manifestantes, há aquele controle que deveria de fato estar acontecendo não sobre os cidadãos, mas sim sobre o Estado, que vem utilizando seu poder para limitar a nossa democracia.

Importante que lembremos que pela nossa Constituição cabe ao MP o controle externo da atividade policial. No entanto, quer olhemos para as manifestações e a forma como a polícia tem lidado tão violentamente com o nosso direito a manifestação, quer seja como diz a frase ‘toda prisão é uma prisão política’ - como tem acontecido em todas as grandes cidades do nosso país -, quer seja no número de mortos pelas forças policiais ou todos os desafios democráticos que temos diante de nós; é importante que a gente sempre pare e reflita sobre o equilíbrio que deve existir entre o controle sobre o Estado e o controle sobre o cidadão.

Ao cidadão devem ser garantidos os direitos e jamais pesar sobre ele a força do controle que deve ser dirigido ao estado. Que as instituições de Justiça sejam chamadas à sua responsabilidade pelo momento que passamos, cada vez mais difícil, e honrem a sua responsabilidade histórica nesse momento em que vemos as maiores barbaridades acontecendo na nossa cara.

F. (18 de SP)

No dia 4 de setembro, a única pessoa que eu conhecia nos protestos era o meu irmão. Quando fomos abordados, todo o aparato pré-manifestação era gigante. Foram nove viaturas, um ônibus, um helicóptero. Isso não é besteira. Não é uma movimentação simples. Depois, entrando em contato com grupos antifascistas, sempre me fortalecendo, começamos a perceber que se torna uma coisa repetitiva. E vamos ganhando medo de ir em protestos pois podem acontecer muitas coisas.

Teve, por exemplo, secundarista desaparecido durante uma semana e que depois voltou todo arrebentado. Sei dos meus privilégios, sei que pude estudar, fazer uma faculdade, e por isso acredito que gente como eu, que teve oportunidades, tem de lutar ainda mais, e colocar a cara a tapa sem ter medo.

Os secundaristas colocaram a cara a tapa muito mais que muito pelego universitário e isso não pode acontecer. Não podemos deixar adolescentes sozinhos na linha de frente enquanto ficamos em nossa zona de conforto. Quem é o movimento de esquerda hoje? A gente está com medo de que? De lutar pelo nosso futuro? É isso que estamos dizendo pro Estado? Que estamos retraídos? Nem fizemos nada em 4 de setembro e fomos presos, mas isso não nos impede de batalhar ainda mais. Seja no diálogo, no emprego, na faculdade, temos que colocar a cara a tapa e falar algumas verdades, sim!

Laura Benda, juíza do trabalho e presidente da AJD – Associação de Juízes pela Democracia

Só o fato da AJD existir, significa que nem todo juiz é democrático. Aliás, o Estado Democrático de Direito também não o é, como estão dizendo aqui e como muitos de vocês sentem na pele em diversos graus.

O Estado Democrático de Direito tem uma série de características. Uma delas é ter o controle de todos os poderes, e é isso que está completamente descontrolado no país. Passamos por um período de ilusão, de que as coisas estariam se alinhando dentro dos princípios democráticos, mas não estavam. E agora estamos vivendo uma fase que se chama ‘Estado de Exceção’, ‘Pós-Democracia’, como quiserem chamar, que vai ser caracterizada por uma série de coisas – e a principal delas é a criminalização da política e de tudo o que é político.

Seja uma política institucional, com a perda da credibilidade das instituições e do processo representativo, como temos visto especialmente de 2016 pra cá. Mas também uma criminalização e uma morte real da política: é o assassinato da Marielle e de outros defensores de direitos humanos país afora, é a prisão de manifestantes, é a tortura e por aí vai. Por isso que é muito importante que a gente esteja aqui hoje, junto, em uma só voz, resistindo.

Cristiano Marona, presidente do IBCCRIM

Eu queria me solidarizar com os 23 condenados do RJ que são vítimas desse sistema judiciário que há tempos perdeu seu compromisso com a Constituição – que faz 30 anos em 2018. A promessa constitucional de 1988 era a de que a ditadura teria fim e que nós construiríamos uma nação baseada na ideia de combate à desigualdade e respeito à dignidade humana. E o papel do judiciário na promessa constitucional era fundamental.

O judiciário de acordo com a Constituição tinha o papel de garantir esses direitos, mas 30 anos depois vemos que tal promessa foi frustrada, não foi cumprida. Não nos transformamos em uma sociedade menos desigual, ao contrário, os ricos nunca foram tão ricos e tão blindados como hoje. E uma das razões pelas quais chegamos a tal ponto é o fato de que o judiciário não cumpriu seu papel.

No lugar de garantir os direitos os direitos, o judiciário hoje atua como um agente de segurança pública. A diferença básica entre democracia e ditadura é o fato de que na democracia as liberdades públicas são respeitadas. Na ditadura não há liberdades públicas, os direitos e garantias fundamentais são colocados em uma espécie de coma induzido.

O modo de agir do Judiciário mostra que nós não vivemos em uma democracia. Mostra que o que nós temos hoje é um Estado de Sítio informal, onde o poder do Estado não encontra limites – e nós sabemos que o poder do Estado não alcança a todos de forma igual. Os clientes preferenciais do sistema de justiça são justamente os pretos, pobres e periféricos. A eles está reservada a prisão ou a letalidade policial.

O que nos resta hoje é denunciar o papel que o judiciário brasileiro vem exercendo. Aliás, estamos na frente de uma faculdade de Direito que cumpriu um papel lamentável durante a ditadura, com vários dos seus professores participando ativamente daquele regime e que são os mesmos que tiveram um desempenho bastante relevante no golpe de 2016.

Frederico de Almeida, professor e cientista político

Um ponto importante ao qual devemos estar alertas, além da repressão criminal, são as formas de controle social sobre o protesto que vêm, por exemplo, com leis que proíbem o uso de máscaras, com legislação administrativa que exige autorização prévia com preenchimento de formulário pra fazer manifestação. Isso não é criminal, mas é repressivo.

E como o Cristiano colocou, nessa faculdade aqui tem sempre alguém disposto a mexer no seu diploma pra formular coisas assim. O ministro Alexandre de Moraes, professor dessa faculdade, foi alguém que fez tal discurso e seguiu pelo caminho de criar restrições administrativas para que você possa ir pra rua fazer política.

Mas tem um outro aspecto que eu queria enfatizar que percebi na pesquisa e é muito evidente na sentença do juiz Itabaiana no RJ: a criação de um tipo social que deve ser combatido por qualquer meio necessário. Esse tipo social chama-se ‘vândalo’. Alguém que não respeita as instituições, alguém que não tem apreço pela ordem, alguém que tem potencial para praticar crimes, independentemente de ter praticado ou de se esperar que pratiquem. É por isso que “podem”, por exemplo, prender os 18 de SP sem que ao menos cheguem à manifestação, basta demonstrar que são deste tipo social.

Nós acompanhamos muito bem desde 2013 esse processo social, político e moral de construção do vândalo. No começo, para a imprensa, todos eram ‘vândalos’. Daí quando a maré começa a mudar, o termo muda para ‘vândalos infiltrados’. Ou seja, a manifestação pode existir, porque é ‘bonitinho e democrático’ que aconteça, mas o “vândalo infiltrado prejudica tudo”. E a questão não é prender o vândalo, mas acabar com a manifestação – o que a polícia faz.

Esse processo é o mesmo processo pelo qual, ao longo dos últimos 30 anos, se construiu a categoria ‘bandido’, aquela da frase ‘bandido bom é bandido morto’. No caso do manifestante, bom é aquele que vai de domingo e não atrapalha o trânsito, que vai com a camisa da seleção e não de vermelho ou de preto. O manifestante bom pode ir pra rua, já o manifestante mal tem de ser preso antes de ir pra rua.

Por isso que toda prisão é uma prisão política, e o que acontece com os ‘vândalos’ é o que acontece com os ‘bandidos’ – a diferença é que tiveram que criar um novo nome, pois não poderiam pôr uma juventude conscientizada, que luta por direitos, na mesma categoria em que jogam os negros, pobres e periféricos, invisibilizados, que sequer têm voz (ainda que muita gente dessa juventude venha desta classe social). Tiveram de criar uma nova categoria, traduzida na figura do vândalo que tem uma ‘propensão contra a ordem e os valores da sociedade’ e que por isso tem de ‘ser contido de antemão, antes mesmo de por o pé na rua’. Por esta razão, se lutar é vandalismo, todos nós aqui somos vândalos com muito orgulho.



Leia também:

“Se olharmos o que fizeram com o RJ, a história está dando a razão aos 23 condenados” – Entrevista com Filipe Proença

Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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