Correio da Cidadania

Neymar, o fracasso sobe à cabeça

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Neymar decepcionou na Copa da Rússia. Nem sequer figurou entre os 10 jogadores considerados pela FIFA os melhores do mundo. E guardou silêncio. Obsequioso ou raivoso? E, no último domingo, pediu desculpas, não ao convocar uma coletiva de imprensa, e sim ao fazer um desastroso comercial de lâmina de barbear.
       
Desde os 18 anos, ao iniciar sua carreira no Santos, Neymar é rebelde. Já demonstrava não entrar em campo apenas para jogar. Entra para lutar, xingar o técnico e os adversários, protestar junto ao juiz. Neymar tem pavio curto e ego longo. Não se conforma quando a bola não é só dele.
      
Em 2010, Neymar xingou o técnico do Santos, Dorival Júnior, por tê-lo preterido na cobrança de um pênalti. Por falta de ética do jogador, o técnico o suspendeu de uma partida importante, contra o Corinthians. A diretoria do Santos, em vez de apoiar o técnico, decidiu apoiar Neymar. Foi como se a escola expulsasse o professor ofendido pelo aluno.
      
Dorival Júnior foi demitido pela diretoria do Santos “por insubordinação”, e Neymar, escalado para o jogo contra o Corinthians. Adiantou pouco. Neymar não fez gol e o Corinthians ganhou por 3 x 2.
      
Mano Menezes, técnico da seleção brasileira entre 2010 e 2012, fez o que o Santos deveria ter feito: puniu o jovem atleta. Mostrou-lhe os limites. Se Neymar queria ver seu talento brilhando nos jogos, teria que aprender a dominar sua fúria. Aprender a saber perder. E admitir que ele pode muito. Mas não pode tudo.
      
O futebol já foi esporte. Hoje, é competição. Já foi arte. Hoje, é violência. Já foi fator de integração social. Hoje, acirra disputas entre torcidas enfurecidas. Os estádios, em dia de jogo, parecem penitenciárias em dia de visitas. Policiais por todos os lados, torcedores revistados, armas apreendidas.
      
Os jogadores mais se parecem atletas de luta livre. Entram em campo para trucidar o adversário. Predomina a agressão verbal e física. As faltas não resultam da disputa de bola. São premeditadas e visam a imobilizar o adversário, de preferência mandá-lo para fora de campo ou mesmo para o hospital.
      
Os valores democráticos são negados pelo ethos guerreiro do futebol que se pratica hoje. Os times entram em campo imbuídos de espírito revanchista. Por trás de cada jogador há o jogo de poder dos cartolas. Os atletas valem pelo que representam monetariamente. São tratados como produtos de exportação. E, em um mundo carente de heróis altruístas, eles ocupam o vácuo. São idolatrados, invejados, imitados.
      
Na cabeça de milhares de crianças e jovens, eis um modo de se tornar rico e famoso sem precisar dar duro nos estudos. Basta ter a habilidade de fazer a bola obedecer a vontade que se manifesta nos pés.
      
Gigante adormecido não é apenas o Brasil. É também a nossa seleção, desde a conquista do pentacampeonato e do fracasso nas últimas copas. Hoje, o que parece uma simples partida entre dois times é, para cartolas e investidores, um laboratório destinado a transformar gatos em leões.
      
Na Copa de 1950, no jogo final, em pleno Maracanã, o Uruguai ganhou do Brasil por 2 x 1. Naquela época, o futebol ainda era esporte. Os estádios não se pareciam a coliseus, nem os atletas a gladiadores. E os cartolas torciam mais por seus times que por suas contas bancárias.
      
Bons jogadores não brotam de um dia para o outro. São preparados desde a infância. Os clubes mantêm escolinhas de futebol. Muitas exigem dos alunos frequência à escola formal e boas notas. Isso é bom. Mas não suficiente. Essas crianças deveriam também aprender o que significa ética nos esportes. Valores e direitos humanos. Para que, mais tarde, alucinadas por fama e fortuna, não se transformem em monstros suspeitos de cumplicidade com traficantes ou de homicídios hediondos.
      
Em que medida o bullying, que tanto assusta as escolas, é reflexo do que se passa em nossos estádios? Onde falta educação campeia a perversão. Se a lei do mais forte é o que predomina aos olhos da multidão, como esperar uma atitude diferente de crianças e jovens carentes de exemplos de generosidade e solidariedade?
      
Nosso futebol, tradicionalmente tão bom de bola, não estaria ruim da cabeça? Não teria se transformado em imenso cassino monitorado por quem angaria fortunas? Faz sentido, num país civilizado, atletas, símbolos de vida saudável, posarem de garotos-propaganda de bebidas alcoólicas?
      
Há que escolher entre Olímpia e Roma, maratona e coliseu. E conhecer a diferença entre os verbos disputar e aniquilar.


Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros.

Frei Betto

Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")

Frei Betto
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