Correio da Cidadania

Na lama de Brumadinho

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Mais uma vez, o debate sobre um acidente é confuso, com cada técnico, político, servidor público e cidadão buscando relatar suas teses e conclusões. Entretanto, os grandes interesses continuam camuflados e preservados até o próximo acidente, quando voltarão a correr o risco de serem descobertos.

Descrevendo um pouco da confusão, prendem-se técnicos e fica a grande dúvida: se eles são corruptos, quem são os corruptores? Algumas informações técnicas explicam a irracionalidade de decisões do passado. Vem à tona a parcela expressiva da população que mora próxima de barragens inseguras. Descobre-se que a Vale ainda não pagou multas relativas ao crime de Mariana.

A esperança por sobreviventes é sempre depositada, em toda desgraça, nos bombeiros, os profissionais da solidariedade. Punir os responsáveis é justo e esperado pela sociedade, mas é preciso identificá-los corretamente, inclusive os poderosos. A mídia, como sempre, não está sendo isenta, pois esta pertence ao capital e seus interesses inconfessáveis têm que ser preservados. Assim, a comunicação fica truncada. Bodes expiatórios, que podem até ter alguma responsabilidade, são noticiados com estardalhaço.

Tentando racionalizar a questão, a identificação do problema, com a visão da sociedade, é primordial e consiste no primeiro passo para a real solução. Desta forma, a pergunta inicial que se deve fazer para identificar o problema é: “o que se deve exigir de uma mineradora que explora determinada jazida concedida pelo Estado?” Estou querendo incluir na análise da questão a identificação de um eventual erro genético do modelo utilizado, que, se não for sanado, repetirá crimes desastrosos.

Respondendo à pergunta feita, são geradas as seguintes exigências para as mineradoras poderem atuar:

(1)   A mineradora deve ter capacidade de investimento para alocar recursos no empreendimento;

(2)   A mineradora deve receber receitas, com a atividade econômica, que permitam remunerar seus trabalhadores, pagar os demais custos, despesas e impostos, realizar os reinvestimentos e dar dividendos aos acionistas;

(3)   A mineradora deve utilizar projetos de engenharia e técnicos locais, assim como a mão de obra do país;

(4)   A mineradora deve fomentar o desenvolvimento tecnológico nacional;

(5)   A mineradora deve buscar exportar somente produtos com o máximo de valor agregado, assim como importar o mínimo de materiais e equipamentos do exterior, contribuindo para a melhoria da balança comercial brasileira;

(6)   A mineradora deve proteger ao máximo o meio ambiente e minorias étnicas próximas do seu local de atuação;

(7)   A mineradora deve recuperar ao máximo o dano ambiental mínimo e inevitável da sua atividade;

(8)   A mineradora deve cuidar da segurança de todos os seus funcionários e moradores da sua cercania;

(9)   A mineradora deve retribuir a aceitação da comunidade local através de apoios de ordens diversas;

(10) A mineradora tem um dever para com a sociedade brasileira, que não é compensado só com o pagamento de impostos, mas também com o atendimento a todas essas exigências.

Evidentemente, as empresas privadas e as estatais têm formas de atuação diferentes em cada uma das “exigências para a mineradora”, por partirem de filosofias de atuação diferentes.

Entrando na esfera da subjetividade, alguns desempenhos dos agentes econômicos em determinadas exigências podem ser considerados como mais relevantes que os desempenhos em outras exigências. Dou, a seguir, a visão, que creio ser a da maioria: os desempenhos no “cuidado com o meio ambiente e minorias étnicas” e no “cuidado com os funcionários da empresa e vizinhos” são considerados mais relevantes que o desempenho na “capacidade de gerar receitas”.  Mesmo que argumentem que, com receitas insuficientes, os diversos usos destas estarão comprometidos.

Proponho que, em determinada exigência para a mineradora, se ocorre baixo desempenho do grupo empresarial detentor da concessão e se esta exigência for vital para a sociedade, o grupo terá a concessão subtraída pelo Estado. Exigências para as mineradoras com esta característica formam o conjunto de “exigências eliminatórias”. As exigências restantes formam o conjunto das “exigências classificatórias”, nas quais um baixo desempenho da empresa não a elimina, mas ela recebe um baixo grau, que serve para classificá-las.

Quanto à subjetividade, que é sempre colocada como um empecilho para a escolha das exigências eliminatórias, pode se dizer que a aparente dificuldade é vencida quando há a aceitação das escolhas por grande parte da sociedade.

Neste ponto, coloco duas propostas de teses:

(1)   O “cuidado com o meio ambiente e minorias étnicas” e o “cuidado com os seus funcionários e vizinhos” são exigências eliminatórias para qualquer mineradora.

(2)   Entre uma empresa privada e uma estatal, ambas atuando na mineração, a estatal tende a cuidar melhor do meio ambiente, das minorias étnicas, dos funcionários e dos seus vizinhos que a empresa privada.

A razão óbvia que explica a segunda tese é que os citados cuidados requerem recursos que resultam, necessariamente, em menor lucro. Sabe-se que o grau de segurança das medidas de prevenção de danos ambientais e demais danos é variável e proporcional aos investimentos destinados à prevenção. Portanto, quando uma empresa diz que atende à exigência de minimização do impacto ao meio ambiente e dos demais impactos, ela está dizendo que atende a este objetivo no grau de segurança julgado por ela satisfatório.

Estatais, como não priorizam a obtenção de lucro acima de qualquer outro objetivo, têm maior possibilidade de gastar em prevenção dos acidentes ambientais. Neste ponto, os neoliberais presentes sempre argumentam que as agências reguladoras e os órgãos de meio ambiente foram criados exatamente para garantir a segurança ambiental.

Em alguns casos, isto pode ser verdade. Mas em outros, as agências e os órgãos ambientais têm a incumbência de aparentar proteger a sociedade, quando protegem, na verdade, os lucros. Por isso que o “mercado” busca influenciar, com o seu peso político, a escolha dos titulares da direção das agências reguladoras e dos órgãos ambientais.

Devido ao diferencial de cuidados com o que é nobre, a vida, entre a solução privada e a estatal, as duas teses mencionadas são verdadeiras. Também, as citadas exigências eliminatórias para as mineradoras existem em qualquer sociedade civilizada. Desta forma, a privatização da Vale não deveria ter ocorrido. Aliás, ela não deveria ter ocorrido por outras razões, também. Ela passou 55 anos como estatal e não provocou nenhum grande dano ambiental, como estes dois gigantescos do período em que é empresa privada.

Notar que querer obter lucros altos não é proibido, nem errado. O erro ocorre quando o maior lucro é obtido com um mar de lama, onde estão sepultados seres humanos, animais, a esperança dos que se salvaram e onde reside a tristeza nacional.

Paulo Metri

Conselheiro do Clube de Engenharia

Paulo Metri
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