Correio da Cidadania

Ao invés de compor-se com os rebeldes de 2013, o PT os criminalizou, perseguiu e erradicou

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Gostaria de ser portador de boas notícias, mas a realidade impõe um terrível horizonte.

O fato é que a improvável derrota de Bolsonaro neste 2º turno não significará sua derrota social. Haddad e o PT não possuem qualquer condição de modificar as bases sociais alimentadoras do neofascismo. Podem até mesmo as reforçar, levando-nos a um risco real de ter algo muito pior em 2022.

O lulismo esgotou-se em 2013. Naquele momento, as ruas foram tomadas pelas maiores manifestações populares de nossa História, com um grau de radicalidade jamais visto. O rechaço ao establishment foi profundo, atingindo os poderes econômicos, midiáticos e políticos. Na verdade, tratava-se de uma rebelião contra o neoliberalismo, seguindo caminhos de outros países ao redor do globo.

A reação da esquerda institucional, capitaneada pelo PT, foi a pior possível. Ao invés de buscar compor com essas forças rebeldes, as criminalizou, as perseguiu e, finalmente, as erradicou.
 
"O único pensamento do Governo Dilma foi o de acabar logo com a rebelião"

Durante um ano as ruas brasileiras ficaram tomadas por manifestações populares quase diárias, e durante todo esse tempo o único pensamento do governo Dilma e da esquerda encastelada foi o de acabar o mais rápido possível com a rebelião.

O fato é que ali estava a crítica ao regime neoliberal. O governo petista não a aceitou, pois tal crítica também englobava a si mesmo.

No entanto, ao reagir de forma truculenta às manifestações populares, podou qualquer chance do surgimento de um movimento político antissistêmico à esquerda.

Pior, como não pôde ele mesmo frear a desintegração do regime neoliberal, viu-se tragado pelo naufrágio geral do dito cujo; foi gerado um amplo vácuo político, aos poucos ocupado pela extrema-direita, herdeira das ruas evacuadas pelo governo.

Analistas políticos erram há anos ao dizer que há uma polarização entre petismo e antipetismo. Não há. Existe, isto sim, uma polarização entre o establishment e o anti-establishment.

O problema é que o discurso anti-establishment foi apropriado pela extrema-direita, a qual, ela sim, possui um núcleo duro antipetista, mas, muito além, também antipovo e contra transformações sociais. Este núcleo é profundamente reacionário e visa restaurar uma ordem social e econômica pré-1994.

Na verdade, a extrema-direita só conseguiu ir tão longe por haver se apropriado da crítica ao regime neoliberal falido, embora tenha dado a esta crítica uma forma moralizante e esquizofrênica.

E não poderia ser diferente, visto que seu programa social e econômico é profundamente elitista e reacionário. Ele só pode triunfar se for camuflado por outra coisa.

É por isso que Bolsonaro cai como uma luva, pois seu discurso de exacerbação dos preconceitos do senso comum oculta com maestria o debate em torno de seu projeto social.

Também por isso, o uso de fake news não é um acidente, mas a própria essência da campanha do candidato neofascista. Somente com mentiras, falsificações, preconceitos, fundamentalismo religioso e mistificações é possível a vitória de Bolsonaro. Se explicitar o seu programa, ele perde.

Portanto, bastaria Haddad explorar o programa reacionário de Bolsonaro e mostrar seu próprio programa para o triunfo do PT ser garantido, certo? Errado. O programa de Haddad não é reacionário, mas é conservador e, em pontos econômicos, pouco difere do de Bolsonaro.

Ainda por cima, a população tem na memória o estrago causado por Dilma em 2014, quando disse uma coisa na campanha e fez outra depois de eleita. As pessoas não querem continuar com o programa que está aí, e, na falta de um novo autêntico – conforme eu disse neste texto recente – irão para o novo farsesco.

Mesmo que por um ato da Graça, Haddad ganhe, é pouco provável que abandone seu programa econômico neoliberal e é pouco provável que permita o surgimento de uma alternativa à esquerda. O desfecho, então, poderá ser muito mais trágico do que está sendo hoje.

Entendo perfeitamente quem vai votar em Haddad no 2º turno. Mas, acredito que tal voto deveria vir com pelo menos dois compromissos do candidato petista:

1.    autocrítica dos erros do partido e de seus erros em particular. Lembremos que Haddad era prefeito de São Paulo em 2013 e fez coro com a repressão aos manifestantes;

2.    fim de toda pretensão de ser o único representante da esquerda brasileira, abandonando a demonização de opositores à esquerda e abrindo um canal de diálogo franco com as correntes revolucionárias. Sem isso, haverá o risco da crítica continuar sufocada na esquerda, permanecendo usurpada pela extrema-direita.

Quanto a nós, como já disse neste outro texto, nossa função é permanecer na crítica implacável, a fim de abrir o caminho para o futuro.

David Emanuel de Souza Coelho.
Retirado de Náufrago da Utopia

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