Livres bens comuns
Rafael Evangelista
Embora os juros altos e a inabalável política econômica neoliberal
incomodem e sejam as grandes dores de cabeça da esquerda quando pensa
no governo Lula, as políticas em favor do software livre e do
compartilhamento do conhecimento e da informação têm se notabilizado
como exemplos positivos. O Instituto Nacional de Tecnologia da
Informação (ITI), com seu forte apoio ao software livre, e o
Ministério da Cultura (MinC), com suas ações em torno de uma política
mais democrática para a nova cultura digital, estão na linha de frente
dessa ação para que o conhecimento (seja ele na forma de software ou
na forma de bens culturais) seja considerado um bem comum.
Mas essas vitórias do “outro mundo possível” estão sob constante
ameaça. E quem trouxe a última informação foi o presidente do ITI,
Sérgio Amadeu, que alertou que a Microsoft está fazendo um forte lobby
para que o presidente Lula encontre-se com Bill Gates, presidente da
maior empresa de software proprietário do mundo, durante o Fórum
Econômico de Davos, na Suíça, na próxima semana. Segundo Amadeu, “eles
querem tentar pressionar Lula para que tome a direção oposta”, ou
seja, querem que o Brasil deixe de dar preferência ao software livre
como atalho para o seu desenvolvimento tecnológico.
Contudo, do outro lado do Atlântico a resistência será muito mais
forte. A pressão do monopólio da Microsoft e outros novos desafios,
como as tentativas de controle das grandes corporações sobre a
internet, as novas tecnologias de gerenciamento de direitos que
impedem o compartilhamento, e as patentes de software (que dificultam
e mercantilizam ainda mais a democratização do conhecimento), estarão
em debate durante o V Fórum Social Mundial. O ITI, o MinC e o Projeto
Software Livre Brasil (PSL-BR) estão promovendo a “Agenda da Liberdade
do Conhecimento”, um conjunto de atividades que deve discutir os
desafios para o futuro digital e gestar propostas de resistência à
transformação do conhecimento em mercadoria.
Agenda Livre
Expandir o debate, fazendo com que a luta pelo software livre seja
muito mais ampla, transformando-se na luta para que a cultura e o
conhecimento sejam reconhecidos como bens comuns da humanidade. Esse
deve ser o enfoque do debate “Revolução Digital: Software Livre,
liberdade do conhecimento e liberdade de expressão na Sociedade da
Informação”, um dos dois principais eventos propostos. “Nosso objetivo
sempre foi de trazer pessoas novas e apresentar novas idéias. Este ano
nosso objetivo foi de ampliar o horizonte do debate, muito além do
software livre”, conta um dos organizadores, Marcelo Branco, do PSL-BR.
Na mesa de debates, estarão algumas das figuras chave do discurso em
favor da liberdade na era digital, como Lawrence Lessig e John Perry
Barlow. Lessig é a principal figura por trás do Creative Commons, as
novas licenças de direitos autorais, inspiradas pelo movimento
software livre, e que propõem uma abodagem para o usufruto de bens
culturais, em que copiar e compartilhar são garantias essenciais.
Barlow, por sua vez, é um ícone do pensamento libertário no
ciberespaço. Originário do movimento hippie – foi letrista da lendária
banda Grateful Dead – Barlow é um dos fundadores da Eletronic Frontier
Foundation (EFF), uma das principais organizações mundiais de defesa
da liberdade na internet e que tem comprado diversas brigas contra o
lobby das grandes gravadora e dos estúdios.
Ao lado deles estarão o ministro brasileiro Gilberto Gil e o sociólogo
espanhol Manuel Castells, reconhecido internacionalmente por sua série
de livros “A Era da Informação”. O convite a Castells partiu de
Branco: “Eu conheci o Manuel Castells em 2003 num evento da Sociedade
da Informação em Bilbao na Espanha. Castells é para mim a maior
autoridade e o intelectual mais lúcido e atual no estudo e análise dos
impactos da revolução digital na sociedade moderna. Sua obra e sua
prática marcarão profundamente as novas gerações de lutadores sociais
do século XXI”.
Outra mesa promovida pelo INI, MinC e o PLS-BR será “Revolução
Digital: Compartilhamento x Bloqueio do Conhecimento na Sociedade da
Informação”. Nela estarão presentes, entre outros, o presidente do ITI,
Sérgio Amadeu; o professor da UnB, Pedro Rezende; Ronaldo Lemos, do
Creative Commons Brasil; Diego Saraiva, da ONG Hipatia; e Yochai
Benkler, professor de Direito da Universidade de Yale, nos EUA. Um dos
textos mais famosos de Benkler é Linux and the nature of the firm, em
que discute a emergência de um novo modo de produção, diferente do
modo do mercado. Algum dos exemplos seriam o Linux e a enciclopédia
livre Wikipedia.
Gil, Lessig, Lemos e Amadeu já estiveram juntos na mesa mais
importante do último Fórum Internacional de Software Livre (FISL), em
Porto Alegre, em junho do ano passado. Na ocasião, Gil anunciou a
liberação de uma de suas músicas, Oslodum, sob a licença da Creative
Commons.
Branco considera que o FISL, que em junho deste ano chega à sua sexta
edição, é parente próximo do Fórum Social Mundial. “O FISL veio antes
do FSM, assim como o Fórum Mundial da Educação, e foi um evento
precussor desta relação internacionalista da sociedade civil de Porto
Alegre com os novos movimentos sociais de todo o mundo. Tudo faz parte
da mesma história e do mesmo movimento, e foi impulsionado pelos
mesmos agentes políticos”, completa Branco.
Publicado originalmente em
www.planetaportoalegre.net
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