Correio da Cidadania - FSM 2005

Livres bens comuns

Rafael Evangelista


Embora os juros altos e a inabalável política econômica neoliberal incomodem e sejam as grandes dores de cabeça da esquerda quando pensa no governo Lula, as políticas em favor do software livre e do compartilhamento do conhecimento e da informação têm se notabilizado como exemplos positivos. O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), com seu forte apoio ao software livre, e o Ministério da Cultura (MinC), com suas ações em torno de uma política mais democrática para a nova cultura digital, estão na linha de frente dessa ação para que o conhecimento (seja ele na forma de software ou na forma de bens culturais) seja considerado um bem comum.

Mas essas vitórias do “outro mundo possível” estão sob constante ameaça. E quem trouxe a última informação foi o presidente do ITI, Sérgio Amadeu, que alertou que a Microsoft está fazendo um forte lobby para que o presidente Lula encontre-se com Bill Gates, presidente da maior empresa de software proprietário do mundo, durante o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, na próxima semana. Segundo Amadeu, “eles querem tentar pressionar Lula para que tome a direção oposta”, ou seja, querem que o Brasil deixe de dar preferência ao software livre como atalho para o seu desenvolvimento tecnológico.

Contudo, do outro lado do Atlântico a resistência será muito mais forte. A pressão do monopólio da Microsoft e outros novos desafios, como as tentativas de controle das grandes corporações sobre a internet, as novas tecnologias de gerenciamento de direitos que impedem o compartilhamento, e as patentes de software (que dificultam e mercantilizam ainda mais a democratização do conhecimento), estarão em debate durante o V Fórum Social Mundial. O ITI, o MinC e o Projeto Software Livre Brasil (PSL-BR) estão promovendo a “Agenda da Liberdade do Conhecimento”, um conjunto de atividades que deve discutir os desafios para o futuro digital e gestar propostas de resistência à transformação do conhecimento em mercadoria.

Agenda Livre

Expandir o debate, fazendo com que a luta pelo software livre seja muito mais ampla, transformando-se na luta para que a cultura e o conhecimento sejam reconhecidos como bens comuns da humanidade. Esse deve ser o enfoque do debate “Revolução Digital: Software Livre, liberdade do conhecimento e liberdade de expressão na Sociedade da Informação”, um dos dois principais eventos propostos. “Nosso objetivo sempre foi de trazer pessoas novas e apresentar novas idéias. Este ano nosso objetivo foi de ampliar o horizonte do debate, muito além do software livre”, conta um dos organizadores, Marcelo Branco, do PSL-BR.

Na mesa de debates, estarão algumas das figuras chave do discurso em favor da liberdade na era digital, como Lawrence Lessig e John Perry Barlow. Lessig é a principal figura por trás do Creative Commons, as novas licenças de direitos autorais, inspiradas pelo movimento software livre, e que propõem uma abodagem para o usufruto de bens culturais, em que copiar e compartilhar são garantias essenciais. Barlow, por sua vez, é um ícone do pensamento libertário no ciberespaço. Originário do movimento hippie – foi letrista da lendária banda Grateful Dead – Barlow é um dos fundadores da Eletronic Frontier Foundation (EFF), uma das principais organizações mundiais de defesa da liberdade na internet e que tem comprado diversas brigas contra o lobby das grandes gravadora e dos estúdios.

Ao lado deles estarão o ministro brasileiro Gilberto Gil e o sociólogo espanhol Manuel Castells, reconhecido internacionalmente por sua série de livros “A Era da Informação”. O convite a Castells partiu de Branco: “Eu conheci o Manuel Castells em 2003 num evento da Sociedade da Informação em Bilbao na Espanha. Castells é para mim a maior autoridade e o intelectual mais lúcido e atual no estudo e análise dos impactos da revolução digital na sociedade moderna. Sua obra e sua prática marcarão profundamente as novas gerações de lutadores sociais do século XXI”.

Outra mesa promovida pelo INI, MinC e o PLS-BR será “Revolução Digital: Compartilhamento x Bloqueio do Conhecimento na Sociedade da Informação”. Nela estarão presentes, entre outros, o presidente do ITI, Sérgio Amadeu; o professor da UnB, Pedro Rezende; Ronaldo Lemos, do Creative Commons Brasil; Diego Saraiva, da ONG Hipatia; e Yochai Benkler, professor de Direito da Universidade de Yale, nos EUA. Um dos textos mais famosos de Benkler é Linux and the nature of the firm, em que discute a emergência de um novo modo de produção, diferente do modo do mercado. Algum dos exemplos seriam o Linux e a enciclopédia livre Wikipedia.

Gil, Lessig, Lemos e Amadeu já estiveram juntos na mesa mais importante do último Fórum Internacional de Software Livre (FISL), em Porto Alegre, em junho do ano passado. Na ocasião, Gil anunciou a liberação de uma de suas músicas, Oslodum, sob a licença da Creative Commons.

Branco considera que o FISL, que em junho deste ano chega à sua sexta edição, é parente próximo do Fórum Social Mundial. “O FISL veio antes do FSM, assim como o Fórum Mundial da Educação, e foi um evento precussor desta relação internacionalista da sociedade civil de Porto Alegre com os novos movimentos sociais de todo o mundo. Tudo faz parte da mesma história e do mesmo movimento, e foi impulsionado pelos mesmos agentes políticos”, completa Branco.

 

Publicado originalmente em www.planetaportoalegre.net

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