As matérias que a Folha de São Paulo vem publicando a respeito da
concorrência para a construção do SIVAM, em 1994, são simplesmente estarrecedoras. As
evidências, que o Tribunal de Contas, o Ministério Público e a CPI não conseguiram
reunir em meses de trabalho estão agora no guichê de uma repartição pública em
Washington, à disposição de qualquer interessado, mediante o simples o pagamento de um
xerox.
Os documentos, que são cópia da correspondência oficial do
embaixador norte-americano em nosso país, contam que, em pleno processo da concorrência
internacional, um oficial superior das nossas Forças Armadas recebeu da Conselheira da
embaixada americana um rascunho de carta a ser escrita pelo Ministro brasileiro de modo a
garantir ao Eximbank que os equipamentos do SIVAM fossem usados exclusivamente em tarefas
de controle do narcotráfico, excluindo qualquer uso militar dos mesmos. Esse mesmo
oficial ofereceu ao governo dos Estados Unidos a partilha das informações colhidas pelo
sistema de vigilância aérea. Ao mesmo tempo mostrou à conselheira da embaixada
norte-americana o memorando confidencial que havia enviado ao Ministro de Assuntos
Estratégicos do Brasil.
O oficial referido negou um por um esses pontos, razão pela qual será
necessário reabrir a CPI e acionar o Tribunal de Contas e o Ministério Público para
apurar a contradição.
Se a versão da embaixada norte americana for confirmada, estamos
diante de irregularidade que não pode deixar de ser punida e sobretudo corrigida. Não se
trata de uma questão que envolve unicamente o comportamento pessoal do referido oficial
no episódio da concorrência, mas de uma questão de soberania nacional sobre uma área
que corresponde a um terço do território do Brasil. Como é possível admitir que um
país estrangeiro possa traçar a rota de todo avião (inclusive o do Presidente da
República e do Ministro da Defesa) que cruze a Amazônia brasileira?
Se ainda resta aos dirigentes do país um mínimo de senso de
nacionalidade, o contrato com a firma norte americana terá de ser interrompido e o
sistema redesenhado inteiramente. É uma questão não só de segurança como de dignidade
nacional.
Por ocasião do debate do SIVAM, técnicos do INPE (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais), preocupados com o risco que a entrega do contrato a firmas
estrangeiras representava para o país, tentaram, por vários meios, fazer ver às
autoridades que estavam em condições de construir o sistema. Suas pretensões foram
afastadas, sob a alegação de falta de recursos. Dizia-se: ou o Brasil recebe um
empréstimo para construir o sistema ou fica sem meios de vigiar o tráfego de aviões
nessa parte do seu território. Com esse tipo de balela, engana-se o povo brasileiro. Se o
projeto tivesse sido entregue ao INPE, seu custo seria menor e a segurança do nosso
território estaria preservada. Porém, por dois motivos, essa alternativa nem chegou a
ser considerada: primeiro, por causa da mentalidade colonizada das nossas elites, que não
acreditam na capacidade dos técnicos brasileiros; e, segundo, porque contratos baratos
dificultam negociatas.
As Forças Armadas -especialmente a Aeronáutica- estão na obrigação
moral de facilitar ao Congresso todos os meios para a plena apuração dos fatos.
Sobretudo, devem exigir o controle exclusivo e integral do sistema. Para isto foram
criadas.
Plínio de Arruda Sampaio é diretor do Correio
da Cidadania
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