Governo usa mídia para atacar
oposição, afirma Stédile


Por
Luiz Antonio Magalhães

 

A força das fotos de trabalhadores rurais sem-terra na sala da fazenda dos filhos do presidente Fernando Henrique Cardoso está sendo comparada com a já famosa foto das pilhas de notas de R$ 50 achadas no escritório da empresa da governadora e presidenciável Roseana Sarney (PFL-MA). Diversos analistas políticos acham que a ocupação pode causar um grande prejuízo à candidatura petista de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na entrevista a seguir, o líder nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) João Pedro Stédile critica duramente a atuação da imprensa no episódio.

As ocupações das fazendas dos filhos do presidente e de seu sócio Jovelino Mineiro eram ações programadas? A direção do MST tinha conhecimento dessas ações?

João Pedro Stédile: Existe no MST uma regra: todos os grupos de base têm autonomia para decidir sobre suas formas de luta, datas e locais a se manifestar. Sem isto, seria impossível organizar um movimento nacional. Então, tanto a ação de Buritis como a do Pontal foram decididas em assembléias de base. Nem houve interferência, como também nenhum instância teve conhecimento prévio. Preferimos que as bases cometam às vezes erros políticos, mas tenham o direito de decidir sobre seu próprio destino. Talvez isso seja o que mais irrita os poderosos, pois eles percebem que os pobres caminham com suas próprias pernas.

Como você analisa as demissões dos funcionários que negociaram a saída dos sem-terra da fazenda Córrego da Ponte?

JPS: Essa é a prova da origem dos problemas que acontecem há mais de quatro anos em Buritis. Lá temos muitas famílias assentadas, com diversos problemas, assentamentos sem regularizaçao. Os trabalhadores quase passam fome. Durante todo esse tempo, o governo sempre enrola e mente. Na sexta passada, mais uma vez foram enrolados, os trabalhadores resolveram protestar na fazenda dos filhos do presidente. A senhora Maria de Oliveira e o desembargador Gercino da Silva são provas das mentiras do governo, porque na última mentira, eram os avalistas. Quanto tiveram que assistir à humilhação de prender os negociadores do movimento, preferiram ficar com a verdade e entregaram o emprego. Mas o ministro Jungmann preferiu continuar mentindo ao dizer que os altos funcionarios mentiram.

Os ministros Aloysio Nunes Ferreira e Raul Jungmann afirmaram que se tratava de um ato de terrorismo do PT, já que, no entendimento deles, o MST é um "braço" petista. Qual é a relação entre MST e PT?

JPS: Os três mosqueteiros do Rei, de plantão, foram muito hábeis. Tiramos o chapéu para eles. Ao perceberem que poderiam tirar proveito político, acionaram toda sua máquina de manipulação da imprensa e da opinião pública. Amplificaram ao maximo os fatos, exageraram, culparam o governo Itamar, o PT, o MST, a CNBB e conseguiram finalmente que os jornais dedicassem 4 a 6 páginas diárias a esse fato, que já tinha se repetido mais de 4 vezes. Com isso, o povo esqueceu os grampos do ministério da Saúde, a denúncia da Roseana de que todos estão recolhendo dinheiro ilegal para campanha etc.

Foi noticiado que o MST preparou "50 ocupações" no mês de abril. Faltando menos de um ano para o fim do mandato de FHC, não seria mais interessante esperar o próximo governo para protestar?

JPS: Nós não planejamos nada, já expliquei qual é a metodologia do MST. No entanto, nós avaliamos que neste período se conjugam alguns fatores que naturalmente produzirão mais protestos: fazem três anos que a reforma agrária está parada; o mês de abril é de mobilizações em função do dia internacional de luta camponesa; a Justiça do Pará marcou o julgamento do massacre de Eldorado dos Carajás para este mês; e, por fim, a pobreza no campo vem aumentando e criando uma verdadeira panela de pressão. As ocupações dos trabalhadores seguem a lógica de sua necessidade, de sobrevivência, e não o calendário eleitoral.

Que balanço você faz dos 8 anos de governo Fernando Henrique para a Reforma Agrária?

JPS: O balanço é trágico. O governo FHC implemenou um modelo econômico que subordina a nossa economia ao capital internacional e financeiro. Isto teve como consequência também a adequação de um novo modelo agrícola, copiado da agricultura norte-americana, em que apenas grandes fazendas exportadoras se beneficiam. Foi desnacionalizado o comércio agrícola, as agroindústrias. Resultado: a agricultura familiar está inviabilziada, 920 mil pequenas e médias propriedades foram a falência, e a reforma agrária não tem mais sentido, dentro deste modelo. Daí por que o governo usou a tática de derrotar os movimentos sociais que lutam por reforma agrária. O problema do governo é que o número de pobres aumentou, e enquanto houver pobres, eles teimarão em se organizar e lutar.

Luiz Antonio C. C. Magalhães é editor-assistente do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br). Foi diretor-adjunto e editor deste Correio (1996-2000).

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