Especial


O MST e o governo federal

Por Frei Betto

 

O MST promoveu seu 100º Encontro Nacional em Belo Horizonte, de 14 a 18 de janeiro, para debater sua agenda de mobilizações neste ano eleitoral e tentar superar o impasse ou, como prefere João Pedro Stédile, o empate: nem o governo federal logra destruir o MST, nem o MST consegue fazer avançar a reforma agrária.

Há muita demagogia com o dinheiro público. Basta dizer que os cofres do Tesouro Nacional receberam de volta, no fim do ano passado, cerca de R$ 100 milhões destinados ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Esta quantia deveria ter sido emprestada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário aos sem-terra assentados.

O ministro Raul Jungmann culpa os bancos, alegando que eles retiveram o dinheiro, pois estariam mais interessados na ciranda financeira que no crédito rural. Tal acusação é um atestado público de incompetência do governo. Um país que tem governo não admite que bancos manipulem a seu bel-prazer recursos públicos destinados a famílias carentes.

A opinião dos prejudicados não coincide com a do ministro. Para obter crédito, os assentados precisam apresentar projetos. Para elaborar projetos, necessitam da assessoria de agrônomos do Incra. Pois uma das condições para os assentados sacarem é, segundo Delwek Matheus, dirigente do MST, a contratação de empresas de assistência técnica.

Ocorre que o Incra vem reduzindo drasticamente o número de técnicos disponíveis para acompanhar os assentados, a começar pela desarticulação da Emater, suspeita de afinar com o MST. No Maranhão, a governadora Roseana Sarney extinguiu, com uma canetada, a Emater, deixando os assentados sem ponte entre as suas necessidades e os recursos públicos.

Em vez de criar instrumentos para uma boa política fundiária, em Brasília, o governo federal criou o Departamento de Conflitos Agrários, vinculado à Polícia Federal, como se a questão fundiária fosse caso de polícia e não de política. E o Incra tenta substituir o técnico agrícola pela figura do empreendedor social, nomeado para cada assentamento.

No discurso e na publicidade, tudo vai bem como antes no quartel de Abrantes. O Executivo garantiu ao Pronaf, para a safra de 2001, R$ 500 milhões. Ao repassar o dinheiro aos bancos, o governo teria esquecido de estabelecer suas exigências à intermediação do empréstimo aos agricultores. O que levou o ministro Jungmann a um desabafo: os bancos, no Brasil, não foram feitos para atender ao povo. Mas parece que o governo foi feito para atender aos bancos, do contrário não permitiria que tamanho boicote à agricultura familiar passasse em brancas nuvens. Segundo o ministro, dos 4,8 milhões de agricultores, só 800 mil tiveram acesso ao crédito bancário.

De acordo com o MST, a meta do governo federal era assentar, em 2001, cerca de 100 mil famílias. Houve até propaganda na TV, incentivando os sem-terra a se cadastrarem diretamente nas agências dos Correios. Mais uma iniciativa oficial para tentar isolar o MST. Contudo, o próprio movimento incentivou os agricultores a se inscreverem nos Correios. Segundo João Pedro Stédile, 860 mil se inscreveram. Porém, não mais de 60 mil teriam sido atendidos, dos quais só 21 mil foram realmente assentados. Assim, 800 mil tiveram a experiência da contradição entre a publicidade oficial e a política real.

É cômodo escrever teses acadêmicas que enfatizam o protagonismo dos pobres na resolução de seus problemas. Difícil é suportá-los como força organizada que se recusa a fazer o papel de correia de transmissão do Estado, como ocorria nos países socialistas.

Frei Betto é escritor e autor, em parceria com Emir Sader, de "Contraversões civilização ou barbárie na virada do século" (Boitempo), entre outros livros.

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