Itália: esquerda convertida à defesa do capital
sofre derrota histórica para ultra-direita

Por Gregório Maestri
Itália. Abril de 1996. Aquele que fora o maior partido comunista do Ocidente, aliado a pequenas agremiações centristas, vence as eleições italianas, depois de passar 50 anos marginalizado do poder. O Partido de Refundação Comunista, nascido em 1991, quando o PCI mudara de nome – Partido dos Democratas de Esquerda, PDS –, assumindo-se social-democrata, apoiara, de fora, a coligação. O PRC formara-se com operários, estalinistas, sindicalistas, trotskistas etc., que seguiram na luta anti-capitalista.

A coligação do Ulivo não prometia o socialismo, mas melhorias sociais exigidas por país governado pelo capital desde a queda do fascismo. A vitória era completa, pois coroava o fim de seis meses de governo de Berlusconi, desorganizado por greves contra as privatizações, cortes sociais etc.

Romano Prodi assumiu a chefia do ministério em momento em que o país vivia grave crise econômica. Em menos de dois anos, saneou as finanças, dobrou a inflação, relançou as exportações! Para realizar o milagre, comprimiu salários, cortou investimentos, privatizou bens públicos, causou graves seqüelas sociais.

O governo de centro-esquerda dependia do apoio do PRC – 9% dos votos em 96. Após exigir mudança de orientação, a Refundação Comunista derrubou Prodi na Câmara. Apoios conquistados no centro livraram a aliança do Ulivo da dependência ao PRC, permitindo organizar novo governo.

D´Alema foi o primeiro ex-comunista a governar a Itália, que vivia boa situação econômica. Ele aprofundou a linha Prodi, juntando-se a Clinton, Blair e Schroeder na Quarta Via – liberalismo com gosto social-democrata. Transformou a Itália na campeã das privatizações; dos cortes sociais; do fim da legislação trabalhista. Comprometeu conquistas que orgulhavam a Itália: ensino público e laico de qualidade; universidade pública aberta à população; Estado republicano indivisível, baseado na luta antifascista. Na terra dos emigrantes, aprisionou o estrangeiro sem papéis. Sem poder tocar nas pensões, congelou-as, não raro, ao nível da pobreza.

A classe operária conquistara a proibição constitucional de participação da Itália em guerras, no após-guerra. Em 1991, o tímido apoio da Democracia Cristã à agressão ao Iraque causara crise nacional. Em 1999, o ataque à Sérvia realizou-se sob a quase exclusiva oposição do PRC. Os poderosos sindicatos apoiaram a reorganização pró-capitalista, permitindo que se desse quase sem resistência. Em cinco anos, a aliança dirigida pelo ex-PCI fez mais pelo capitalismo do que a Democracia Cristã em cinqüenta.

Após o fim da intervenção no Kosovo, o governo anunciou orgulhoso que a Itália entrara no clube das nações que governavam o mundo. O abandono dos valores tradicionais do trabalho e da solidariedade permitiu que visões irracionais dominassem a sociedade italiana.

No contexto da confusão causada por esquerda que nada concedia à população e tudo cedia ao capital e à Igreja, italianos desesperançados e empobrecidos – idosos, aposentados etc. – responsabilizaram os imigrantes por suas misérias. A maré xenófoba foi alimentada pela direita populista e pelo pequeno e médio capital. No contexto do amplo desgosto popular, o Ulivo retrocedeu nas eleições européias e regionais de 2000, derrubando D'Alema.

Amato, o novo capo governamental, consciente da perda de apoio, reduziu impostos (sobretudo para os ricos), deu migalhas aos professores, determinou a gratuidade da assistência médica aos idosos. Mas, para que ninguém se enganasse, financiou o Ano Santo, dificultou o Word Gay Pride 2000, salvou as asseguradoras multadas por formarem cartéis.

Em 2001, Berlusconi capitaneou a aliança "A Casa das Liberdades" formada por seu partido – Forza Itália –; pela Aliança Nacional, movimento fascista convertido em direita constitucional; pela Liga Norte, racista e separatista; e por filhotes da falecida Democracia Cristã. Berlusconi criticou a insensibilidade social da ‘esquerda’; prometeu reprimir a violência, controlar a imigração, elevar a pensão dos velhos para 1.100 reais, cativando populares desmoralizados pelo neoliberalismo ‘socialista’.

Berlusconi defrontou-se com inesperado inimigo. A imprensa conservadora mundial – Le Nouvel Observateur, The Economist, Time etc. – denunciou o "perigo" Berlusconi. Lembraram a excelente ação do ex-PCI que, em cinco anos, saneara a economia; derrubara o desemprego; reduzira a inflação; relançara as exportações; transformara a Itália, da nação mais estatizada do Ocidente, na mais privatizada da Europa; limitara as greves; tornara as empresas italianas as mais lucrativas, sem aumentar salários.

Os grandes jornais do capital lembraram que outros governos conservadores fizeram o mesmo, mas que nenhum fizera tão bem, tão rápido, com menor resistência. Recordaram que a social-democracia tinha hábeis ex-marxistas para defender o capital junto à burocracia sindical. A defesa do governo foi realizada também pelo grande capital italiano.

Apesar do apoio do capital, por dois anos, o Ulivo passou discutindo quem enfrentaria Berlusconi. O candidato escolhido foi o prefeito de Roma, Rutelli, ex-pacifista, ex-anti-nuclearista, moderno, bonito, liberal, amigo do papa e anti-comunista. A cara da Quarta Via!

O marketeiro das eleições de Clinton, Blair, Schroeder e Mandela comandou a campanha de Rutelli, que, nem à esquerda, nem à direita, limitou-se a acompanhar a demagogia da direita. Como Berlusconi, prometeu combater a criminalidade, prosseguir o liberalismo, privatizar, mas tudo com bons sentimentos!

Nos últimos anos, quase sozinho, o PRC defendeu os interesses populares. Nas eleições de 13 de maio, apresentou-se isolado, apesar de a legislação penalizar os partidos que não alcançassem 4% dos votos e da propaganda pelo voto "útil".

Em 13 de maio, o eleitorado votou maciçamente. A grande surpresa foi a vitória limitada da "Casa das Liberdades". Outra surpresa foi a reformulação do panorama político, com Forza Itália como o maior partido italiano, subindo de 20% aos 30% dos votos. Berlusconi canibalizou os aliados. Aliança Nacional recuou de 15% para 12%. A Liga Norte despencou de 10.5% para 3.9%! Os sete partidos da extrema-direita e os dois partidos vaticanistas de direita não alcançam 4%.

A reação de parte do eleitorado de esquerda limitou a vitória da direita, privilegiada pelo sistema majoritário. Os votos da "Casa das Liberdades", somados aos dos partidos de extrema-direita, empataram com a votação da coligação de centro-esquerda, somada à do PRC e de outras listas de centro, centro-esquerda e esquerda.

Na votação uninominal ao Senado, sem o PRC, o Ulivo obteve 38.7%, contra os 39.9% alcançados, em 96, junto com o PRC. Os votos somados do Ulivo e do PRC chegaram a 43.7%! Em 96, os votos da "Casa das Liberdades", que, em 96, somados aos da Liga Norte, chegariam a 47.7%, caíram para 42.5%! Juntos, os votos de toda a extrema-direita não alcançaram os 45.5%.

Foi também inesperado o sucesso do PRC. Mesmo não obtendo o máximo histórico – 9 % –, avançou em relação às últimas eleições, obtendo no Senado e na Câmara 5,1% dos votos, superando os 4% no qual tropeçaram 25 dos 30 partidos. A votação expressou a decisão do eleitorado de esquerda de barrar o avanço de Berlusconi, punir o Ulivo, apoiar a ação classista do PRC.

O PDS, com 21,1% dos votos, em 1996, perdeu quase 5%! Sorte mais triste tiveram ecologistas, socialistas e o Partido Comunista dos Italianos, governista, que desapareceram do cenário político. A coalizão do Ulivo foi também derrotada nas eleições municipais. Em Milão, a direita venceu no primeiro turno. Nas cidades "vermelhas" – Roma, Turim, Nápoles etc. –, o Ulivo apenas passou para o segundo turno – 48%.

O 13 de maio italiano se notabilizará pela derrota do primeiro governo formado por um ex-partido comunista. Ninguém esperava que ele iniciasse, em cinco anos, a marcha ao socialismo. Mas ninguém imaginava que, convertido à defesa do capital, levasse a essa derrota histórica da esquerda!

Gregório Maestri, 24, ítalo-brasileiro, mora, estuda e trabalha em Milão.

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