Plebiscito confirma: a vida acima da dívida

O Correio publica abaixo o manifesto das entidades promotoras do Plebiscito Nacional da Dívida Externa
_

 

 Mais de 5 milhões de brasileiras e de brasileiros participaram do Plebiscito Nacional da Dívida Externa.

Trata-se de uma iniciativa única em nossa história: um plebiscito de comparecimento não obrigatório, organizado pela sociedade, realizado com lisura e transparência em todas as unidades da Federação, envolvendo cerca de 100 mil voluntários ligados a igrejas, movimentos sociais, partidos políticos, entidades de representação profissional e poderes públicos.

Raras vezes em nossa história, atores tão diversos se uniram em torno de uma causa comum como esta. Foi assim na campanha do "Petróleo é nosso", nos anos 50. Foi assim na campanha pelas Reformas de Base, nos anos 60. Foi assim na campanha da Anistia, nos anos 70. Foi assim na campanha das Diretas, nos anos 80. Foi assim na campanha pelo impedimento do ex-presidente Collor, nos anos 90.

E está sendo assim no Plebiscito Nacional da Dívida Externa, que colheu a opinião popular sobre três questões: 1- O governo brasileiro deve manter o atual acordo com o Fundo Monetário Internacional?; 2- O Brasil deve continuar pagando a dívida externa, sem realizar uma auditoria pública desta dívida, como previsto na Constituição de 1988?; 3- Os governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores?

Mais de 90% dos votantes responderam "não" a cada uma destas questões.

O sucesso do Plebiscito transcende, portanto, o expressivo número de votantes. Alcançamos quatro grandes objetivos:

  • O tema das dívidas, que estava encoberto, voltou a fazer parte do debate nacional.
  • Realizamos um importante trabalho de educação política.
  • Milhões de pessoas se manifestaram sobre algumas das causas da grave crise econômica e social que afeta o país: a política de endividamento e o acordo com o FMI.
  • Contribuímos para a campanha mundial de questionamento aos mecanismos e organismos do sistema financeiro internacional, e de solidariedade aos países pobres altamente endividados.

O Plebiscito atingiu seus objetivos, apesar da postura de grande parte dos meios de comunicação.

Estes, ao invés de informar a população, optaram por combater o Plebiscito e deformar seus objetivos, negando espaço para os seus organizadores.

O governo federal, por sua vez, difundiu ataques grosseiros à iniciativa, pressionou as entidades patrocinadoras e chantageou a sociedade com informações incorretas, alimentadas por um preconceito obscurantista contra quaisquer idéias que destoem do ideário oficial.

Não querem que a sociedade debata estes assuntos, porque sabem que do debate surgirão alternativas.

Esta atitude revela uma característica cada vez mais evidente do modelo econômico implantado no Brasil: por mais adesões que encontre na mídia, no mundo empresarial e financeiro e entre os denominados "formadores de opinião", o modelo não suporta a controvérsia num ambiente arejado de idéias.

Os porta-vozes do "pensamento único" consideram qualquer crítica como "ameaçadora" e "desestabilizadora"; defendem que todos deveriam apoiar os cânones da política neoliberal, num "grande acordo" nacional que respeitaria os direitos das elites, em detrimento dos direitos da maioria do povo.

Há uma década o país vem adotando esta orientação econômica, baseada na dependência externa, no endividamento e sustentada pela chantagem segundo a qual a interrupção no fluxo de capitais produziria o colapso.

Ironicamente, as agências internacionais consideram que, para os investimentos estrangeiros, o Brasil representa maior risco que a Colômbia.

Não é uma iniciativa como o Plebiscito que prejudica o país, mas sim a financeirização da economia, que o submete aos "humores" da banca internacional. Nos últimos anos, vários países recusaram as receitas do FMI e do Banco Mundial, criticadas até mesmo por setores dessas instituições internacionais.

A dívida externa constitui um problema gravíssimo, mesmo que o governo atual, como o governo militar nos anos 70, prefira apresentar nosso endividamento como "crédito".

A dívida vem sendo "perfeitamente administrada", no dizer dos porta-vozes oficiais, graças a uma política de juros altos, de escancaramento comercial, de privatização das empresas públicas e de precarização das relações de trabalho.

Em outras palavras, estamos numa situação de moratória social, que se expressa num enorme calote de todos os compromissos relativos à educação, à saúde, ao valor do salário mínimo, a uma aposentadoria digna, ao direito ao emprego, à reforma agrária, aos direitos dos povos indígenas e aos demais direitos e garantias constitucionais da maioria de nosso povo.

Por tudo isso, o Plebiscito veio no tempo certo, no espaço correto e com o foco adequado. E o foco do Plebiscito está na crítica ao modelo econômico aplicado em nosso país.

Ele evidenciou também que o endividamento não é um assunto técnico, a ser debatido exclusivamente por teóricos em economia e finanças. As decisões técnicas resultam de opções políticas, que no fundo se resumem em pagar as dívidas financeiras ou pagar as dívidas sociais.

O Plebiscito deixou claro, também, que uma causa justa, capaz de mobilizar as entidades populares e principalmente milhões de anônimos cidadãos e cidadãs, não precisa de enormes recursos financeiros.

O Plebiscito não se limitou a dizer "não" à dívida, "não" à especulação e "não" ao acordo com o FMI. O Plebiscito também representa um "sim" a outro modelo econômico, que tenha na promoção da vida um de seus valores fundamentais.

Não podemos fazer nossa economia e nossa sociedade dependerem da atração de capitais estrangeiros. As bases do atual modelo tornam o endividamento sinônimo de dominação.

Ou mudamos esta realidade, ou continuaremos a ver a maior parte de nossa sociedade ser vítima da crise social, do desemprego, dos baixos salários, da falta de serviços públicos, da violência e de tantas outras mazelas que tão bem conhecemos.

A dívida externa é, em grande parte, ilegal, ilegítima, imoral e já foi paga várias vezes. Apesar disso, continua crescendo e continua sendo paga, como se o objetivo fosse transformar o Brasil num país pobre altamente endividado.

O endividamento externo e interno não são fenômenos naturais, nem tampouco inevitáveis. São produzidos de forma consciente, por setores sociais que deles se beneficiam. E só continuam a existir porque o conjunto da sociedade assim permite, consciente ou inconscientemente.

Nossa mobilização continua, agora por uma Auditoria da Dívida, por um Plebiscito Oficial, na formulação de um modelo alternativo de desenvolvimento econômico e social, na participação do Brasil na campanha internacional Jubileu Sul.

A Vida Acima da Dívida!

Brasília/DF, 13 de setembro de 2000.

As entidades promotoras do Plebiscito Nacional da Dívida Externa

**************

Resultados Parciais do Plebiscito da
Dívida Externa nos estados

Total de votantes: 5.666.857
Percentual de votantes/eleitores oficiais: 5,38%

Sobre o FMI: O governo brasileiro deve manter o atual acordo com o Fundo Monetário Internacional – FMI?

Sim: 4,56% Não: 93,81% Brancos/Nulos: 1,63%

Sobre a dívida externa: O Brasil deve continuar pagando a dívida externa, sem realizar uma Auditoria Pública desta dívida, como previa a Constituição de 1988?

Sim: 0,23% Não: 98,40% Brancos/Nulos: 1,37%

Sobre a dívida interna: Os governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores?

Sim: 2,47% Não: 95,86% Brancos/Nulos: 1,67%

Dê a sua opinião sobre este texto


Copyright © 1998-2000 Correio da Cidadania - Todos os direitos reservados