A história do ataque
do governo ao MST

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O ritmo de desapropriações e de financiamento dos assentamentos do Incra é absolutamente insuficiente para atender à desesperadora situação dos 100.000 acampados e às dificuldades dos 100.000 assentados ligados ao MST, para viabilizar economicamente suas cooperativas. Todas as tentativas de acelerar esse ritmo esbarram na desculpa da falta de recursos financeiros. Isto levou os dirigentes do MST a buscar reuniões com o ministro da Fazenda e com o próprio presidente da República. Como a experiência destes cinco anos ensinou o MST que o governo só o recebe se houver uma forte pressão, o movimento decidiu fazer uma campanha de protestos, com ocupações de terras e de prédios públicos em várias cidades do país, a fim de conseguir ser atendido.

A proposta de cooptação

O governo deve ter tido informação dessa resolução do MST, pois, em 25 de abril passado, enviou uma curiosa carta à direção do movimento. Na primeira parte dessa carta (que os órgãos da imprensa omitiram), o ministro da Reforma Agrária faz uma série de ameaças ao MST e, na segunda, convidou o movimento para integrar vários conselhos e instâncias de articulação entre o ministério da Reforma Agrária e os movimentos sociais. Convencido de que a participação nessas instâncias serve apenas para facilitar a propaganda enganosa do governo, o movimento recusou a proposta e pôs na rua sua campanha.

A repressão

Concretizando as ameaças contidas na carta de 25 de abril, a repressão foi violenta. Em São Paulo, 14 sem-terras foram presos, suas cabeças foram raspadas e indiciados em inquéritos policiais. No Paraná, a polícia dispersou a manifestação a tiros, causando a morte de um militante do movimento. Em vários outros estados, houve confronto e pancadaria. Em certo momento, FHC ameaçou usar tropa do exército para desalojar os ocupantes. Até aí, a conduta do governo obedecia ao padrão normal de repressão dos movimentos populares. Mas, logo em seguida, houve uma escalada importante no ataque ao MST, tanto por parte do governo como da mídia.

O governo lançou um pacote de medidas destinadas a prevenir ocupações de terras; criou o Departamento de Conflitos Rurais, já apelidado de "Dops do Campo"; tirou do ar, na sua emissora educativa, a entrevista do líder do MST João Pedro Stédile; e a PF tentou enquadrar os sem-terras na famigerada Lei de Segurança Nacional. A mídia seguiu dois caminhos: linchamento político e linchamento moral.

Tentativa de linchamento político

A revista Veja publicou uma reportagem de oito páginas, destinada a passar a seguinte mensagem: "O MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista". Toda a matéria - manchetes, textos, fotos, fotomontagens e vinhetas -, elaborada no melhor estilo do anticomunismo hidrófobo do tempo da Guerra Fria, visa assustar o leitor da revista, em sua maioria pessoas de classe média, com o fantasma de uma revolução no estilo mexicano.

Tentativa de linchamento moral

Vários jornais entraram por outra via. Dedicaram-se a denunciar "maracutaias". A Folha de São Paulo, na última semana (12 a 18 de maio), dedicou 26 matérias para passar subliminarmente a idéia de que o MST usa indevidamente dinheiro dos assentados da reforma agrária. O conjunto – manchetes, textos, pesquisa de opinião, gráficos – que ocupa um espaço de 12.000 centímetros quadrados está todo articulado em torno de duas palavras chaves: "desvio de recursos", "pedágio de 3%". As manchetes dizem: "MST desvia verba da reforma agrária", "governo suspende verbas para a reforma agrária", "coordenadores divergem sobre a cobrança do ‘pedágio’ ", " MST tenta pagar dívida com papel frio". Nas edições dos dias 15 a 18, a expressão "desvio de recursos" e a palavra "pedágio" aparecem -a propósito e sem nenhum propósito- nada menos que 42 vezes. Manchetes e textos são completados com o quadro explicativo: cinco desenhos que mostram ao leitor de que modo os agrônomos contratados pelo Incra, mancomunados com o MST, extraem o dinheiro dos assentados e o desviam para o movimento. Os quadrinhos mostram: o cofre público aberto enviando dinheiro para uma figura cinza que representa o lavrador; em seguida, uma figura negra, de postura ameaçadora e modos patronais, coagindo o lavrador a pagar 3% para o MST.

A técnica da insistência em palavras-chave, capazes de suscitar reações irracionais, é bastante conhecida na literatura da comunicação subliminar: visa criar no leitor desavisado a idéia de que a direção se apropria indevidamente do dinheiro que o Estado fornece ao assentado.

 

A verdade

A contribuição dos assentados ao MST é decidida em dois tempos: primeiramente, os assentados decidem se entram ou não na cooperativa que se forma no assentamento por iniciativa e estímulo do MST. Os que decidem não participar relacionam-se com o Incra e com os bancos diretamente.

Os que decidem ingressar na cooperativa discutem publicamente, em assembléia da cooperativa, a quantia e a forma de fazer uma contribuição ao movimento. Na grande maioria dos casos, essa contribuição consiste em um percentual sobre o valor da produção e, em um grande número de casos, calculada sobre o valor do financiamento que o assentado recebe, o qual é função da produção esperada da safra financiada. Trata-se de uma decisão coletiva, que algumas cooperativas exigem seja cumprida por todos e outras cooperativas consideram como um mero indicativo que cada assentado deverá assumir pessoalmente, se quiser. O Incra está perfeitamente a par de tudo isto desde o primeiro momento, de modo que não há absolutamente nada de clandestino na cobrança dessa contribuição.

Para onde vai o dinheiro? Para comprar lonas para famílias acampadas, pagar o aluguel de ônibus para as ocupações e manifestações públicas do movimento, custear gastos do programa de educação dos filhos dos assentados, custear os gastos de formação de militantes e dirigentes. A legitimidade política e moral dessa contribuição não pode ser posta em dúvida, pois ela é feita livremente, e nem se pode alegar desvio de finalidade. O crédito rural supervisado, como é o caso do Pronaf, obriga o tomador a aplicá-lo integralmente nos itens descritos do plano de trabalho que embasa o pedido de financiamento, mas não tem o condão de entregar à burocracia do Estado o controle de todo o valor da sua produção. A quantia que o assentado entrega livremente ao MST sai do valor da sua produção. A referência ao crédito, como acontece em alguns assentamentos, não passa de um modo, perfeitamente legítimo, de atribuir valor a essa contribuição que vem do patrimônio do assentado.

Os técnicos do programa Lumiar

A campanha de linchamento moral do MST lança várias suspeitas sobre os agrônomos e veterinários contratados pelo movimento com dinheiro do Incra. Não há segredo nenhum nisso e menos ainda qualquer irregularidade. A relação de confiança entre os técnicos agrícolas e os lavradores constitui doutrina pacífica entre todas as agências de extensão rural do mundo e especialmente da FAO, órgão das Nações Unidas, pois, se o governo impõe seus técnicos, esses passam a ser vistos como fiscais e suas recomendações perdem credibilidade.

 

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