Geral

Movimentos sociais urbanos precisam de denominador comum, diz líder da CMP
__

Muita gente se pergunta por que os movimentos populares urbanos não têm conseguido mobilizar a população das cidades da mesma forma que o MST consegue no campo. De fato, desde o final da década de 80, a agitação no campo tem sido bem maior do que nas cidades. Para o coordenador nacional da Central de Movimentos Populares, José Albino de Melo, é preciso tentar unificar as demandas dos movimento urbanos: "há uma grande diversidade das carências nas cidades: uns precisam terreno para construir casas, outros têm o terreno, mas não têm crédito; outros têm ambos, mas não há infraestrutura. Não há um denominador comum", diz Albino. Em entrevista ao Correio, o líder da CMP comenta as diferenças entre a realidade do campo e a dos centros urbanos e explica a influência dos traficantes e da televisão nos habitantes das periferias das grandes cidades brasileiras.

Correio: O que faz a Central de Movimentos Populares?

José Albino: Arregimenta pessoas para engrossar os movimentos populares e articula esses movimentos para organizar reivindicações no campo da saúde, educação, moradia, defesa do estatuto da criança e do adolescente, transporte, defesa dos direitos da mulher.

Correio: Com que segmentos da população a CMP trabalha?

José Albino: Trabalhamos com pessoas que estão no último degrau social, antes da exclusão total, ou seja, antes das pessoas viverem rigorosamente na rua. São metalúrgicos, operários da construção civil, químicos, que perderam seus empregos e sobrevivem do trabalho informal. São pessoas que já desfrutaram um padrão de vida melhor e que agora não têm recursos sequer para pagar as contas de luz e água, o que estraçalha sua auto-estima.

Correio: Quem faz a cabeça desse povo?

José Albino: Antes de mais nada, a televisão. Mas há também as igrejas pentecostais e a turma do narcotráfico.

Correio: A turma do narcotráfico?

José Albino: Sim. Os narcotraficantes têm grande influência nas favelas. Não há quem não os conheça, embora ninguém fale disso. Os narcos, por sua vez, procuram ter relações boas com os moradores.

Correio: Mas se os moradores desses lugares não têm dinheiro nem para pagar água e luz, como arranjam meios para comprar drogas?

José Albino: O povo da favela não consome droga. Apenas uma pequena parte dela ajuda sua comercialização, como "gerentes de boca" e "passadores de droga" a clientes de outras classes sociais. O silêncio dos demais é importante para o negócio.

Correio: Por que o movimento popular urbano não consegue ter o mesmo dinamismo que seu congênere rural?

José Albino: Posso alinhar alguns fatores: o bombardeio da desinformação; a visão fatalista que se incutiu na mente de pessoas jogadas no último patamar da sociedade, e, finalmente, a falta de nexo direto entre a demanda e a produção: eles são os "descartados" da produção capitalista.

Correio: Por que os movimentos populares urbanos têm tanta dificuldade para se unificar?

José Albino: Antes de mais nada, pela extrema diversidade das carências – uns precisam terreno para construir casas, outros têm o terreno, mas não têm crédito; outros têm ambos, mas não há infraestrutura. Não há um denominador comum.

Correio: A que você atribui a pouca inserção dos partidos de esquerda nas favelas e bairros mais pobres?

José Albino: Os partidos de esquerda se empenharam tanto na dimensão eleitoral da sua luta que acabaram deixando de lado a formação política dos seus militantes e da própria população. O militante que consegue se inserir na esfera política torna-se uma figura destacada no seu meio e a cultura da clientela faz com que ele passe a ser visto como uma pessoa que resolve problemas pessoais ou problemas específicos do bairro. Nessa disputa, ele perde de longe dos políticos do sistema.

Correio: Como você classifica a reação desse povo diante da situação atual?

José Albino: Um misto de raiva, de impotência e de total ceticismo. São pessoas que foram perdendo, um a um, todos os seus sonhos de uma vida digna e que se apegaram a um modo de viver que destrói seus valores. Pessoas que caíram no individualismo, no imediatismo, no fatalismo e que se acostumaram à violência. Por isso admiram tanto as pessoas que passam a imagem de autoridade. Não é difícil ver a relação entre essa disposição de espírito e o apelo autoritário de tipo fascista. Fujimori é o fruto de um quadro semelhante.



Dê a sua opinião sobre esta entrevista


Copyright © 1998-2000 Correio da Cidadania - Todos os direitos reservados