Hugo Chávez: entre o
bolivarismo e o bonapartismo

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Por Osvaldo Coggiola
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Existe a crença generalizada de que o governo de Hugo Chávez inaugurará uma nova etapa política, não só na Venezuela, mas em toda a América do Sul, caracterizada pelo nacionalismo econômico e a recuperação da dignidade política. Sem dúvida, a sua vitória eleitoral esmagadora, à cabeça de uma heterogênea coalizão de populistas, militares e esquerdistas, contra a velha partidocracia venezuelana, não só lhe dá enormes meios políticos, como também indica o "estado do sistema democrático, não só na Venezuela, mas na região toda" (Oscar Cardoso, em Clarín).

As velhas classes dominantes venezuelanas, assim como o próprio imperialismo ianque, já vinham tomando nota da falência do "sistema" venezuelano, que levou o velho líder Carlos Andrés Pérez à prisão, e deflagrou uma onda de escândalos bancários na década de 90. Isto num quadro de crescente insurgência popular, que teve um ponto alto no "caracazo" de 1989 (270 mortos). A tentativa golpista de Chávez, em 1992, expressou a crise do conjunto do sistema.

Sete anos depois, Chávez chega ao poder pelos meios que ele mesmo tinha desprezado em 1992. Não só em condições políticas mudadas, mas também numa conjuntura internacional favorável: o preço do petróleo foi de 7 para 17 dólares o barril, o que permitiu incrementar a renda nacional em 25%, embora a produção caísse 9%.

Pode, então, ser caracterizada a vitória "chavista", com suas repercussões nacionais e internacionais, como uma reedição da vitória peronista de 1945? As condições são bem diversas. Nos seus seis meses de governo, a economia já caiu 6%, provocando a perda de 500 mil empregos (o desemprego pulou de 12% para 21%). A manutenção do apoio popular, nesse contexto, se explica pelo completo desprestígio do sistema anterior. O peronismo, ao contrário, se beneficiou de uma situação de pleno emprego e crescimento econômico.

O programa econômico de Chávez, por outro lado, é menos ambíguo do que parece, e não se situa nas antípodas da onda "neoliberal". A Venezuela possui condições excepcionais de barganha com os EUA, pois fornece 80% do petróleo importado pelo amo do norte. No entanto, Chávez, em nome do déficit fiscal e da corrupção da PDVSA (empresa petroleira estatal), vem "reduzindo as inversões da empresa estatal, terceirizando suas operações e promovendo os investimentos estrangeiros em ramos vinculados ao petrolífero, como a petroquímica" (Jorge Altamira, em Prensa Obrera). Não é segredo, por outro lado, que Chávez procura um acordo com o FMI e que, segundo seus assessores, está disposto a dar garantias aos investidores nacionais e estrangeiros.

No plano político, é significativa a afirmação de Chávez de que "deve-se esvaziar a democracia para salvá-la". As declarações em favor de uma "democracia direta e protagônica" devem ser lidas no seu contexto objetivo. No notório episódio da Constituinte, com o esvaziamento do poder do Congresso e da Corte Suprema, o que se consagrou foi o poder unipessoal de Chávez por cima das instituições representativas de qualquer tipo, completado pela sua proposta de estender para 6 anos o mandato presidencial, com possibilidade de reeleição. A perspectiva de intervenção da CTV (Central dos Trabalhadores Venezuelanos), dominada por uma burocracia vinculada aos velhos partidos, se situa no contexto da conformação de um poder disciplinador por cima da sociedade, que seria apoiado por uma "nova" direção identificada com o novo regime.

Se completarmos o panorama com as garantias dadas pelo novo chanceler José Vicente Rangel (ex-candidato presidencial do MAS) aos presidentes latino-americanos, acerca da continuidade do sistema político, cabe pôr em dúvida a tese de que na Venezuela teria se constituído um poder alheio e enfrentado com as classes dominantes e o imperialismo. Trata-se mais de uma tentativa bonapartista para contornar uma profunda crise de regime, na qual o preço a pagar pelos velhos donos do poder é a renúncia (para eles, apenas transitória) a uma parcela significativa do poder político.

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