Mistério de luzes em A Hora Mágica
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Por Sandra Seabra

Um filme bonito, com Júlia Lemmertz mais bonita ainda e em uma das raras atuações convincentes de Raul Gazolla. Estas são algumas das razões para se assistir A Hora Mágica, filme do diretor paulista Guilherme de Almeida Prado, que está em cartaz no Espaço Unibanco de Cinema, estreando também no Rio e Belo Horizonte.

Há outras razões. Obra estritamente autoral, Almeida Prado disse que, diferente de outros filmes seus - como os premiados A Dama do Cine Shanghai, de 1988, e Perfume de Gardênia, de 1992 - que ficaram engavetados por bastante tempo (Perfume... levou seis anos para ser concluído), A Hora Mágica nunca deixou de ter um lugar em cima de sua mesa, em que pese 15 anos de espera para realizá-lo. A "hora mágica", para os cineastas, é o momento em que o sol já se foi, mas ainda emite luz suficiente para que a película seja sensibilizada, possibilitando filmagens de cenas noturnas sem o recurso de luz artificial.

A estética noir, marca registrada de Almeida Prado, exigiu e contou com extremos cuidados de figurino (foram 160 figurinos concebidos mediante o perfil de cada personagem) e produção impecável, levando o espectador aos anos 50, momento em que a tevê chega ao Brasil. Partindo do conto Câmbio de Luces, de Júlio Cortazar, a trama envolve assassinatos e uma mulher misteriosa, daquelas que incitam a imaginação de um santo. Raul Gazzola é Tito Baucárcel, um ator de radionovela, dublador e narrador de A Hora Mágica. Sempre representando papéis de vilão, nunca recebera cartas de fãs, até que Lúcia (Júlia Lemmertz) , uma ouvinte atenta, arriscou entrar em contato com sua voz preferida. Eles se conhecem, vão morar juntos e, a partir daí , até mesmo antes do caso amoroso propriamente, o que se tem é uma sucessão de sugestões ao espectador. O filme pretendeu resgatar a primeira essência do cinema, que é o jogo de sons e luzes para criar a magia. Conseguiu seu intento em muitas cenas.

Uma delas, que o espectador deverá apreciar com bastante atenção para se deliciar, é quando, depois de uma reforma - vale dizer que Tito e Lúcia estão o tempo todo tentando mudar as aparências de si mesmos e do que há em volta -, Tito persegue sua amada com as luzes de um arsenal de abajures, enquanto Lúcia, delicadamente, vai lhe recitando o texto do próximo capítulo a ser decorado. Outra agradável armadilha do diretor para o espectador são as cenas finais, tidas pelos críticos como uma solução "corajosa". É, antes disto, um exercício livre de criação.

Tangenciando a vida íntima do casal está o mistério de um assassinato em que Lúcia está envolvida e uma série de outros suicídios ou assassinatos parecidos com os ocorridos na radionovela. Não se sabe, entretanto, até que ponto o sucesso radiofônico sugeriu os crimes ou estes estimularam a imaginação do escritor da radionovela.

Aos 78 anos, José Lewgoy mantém o estilo que vem marcando seus 50 anos de carreira. No filme, faz três personagens, é sonoplasta, porteiro e diretor de cinema. Maitê Proença, atriz que o diretor adora - é a protagonista de seus dois longas anteriores e do curta Glaura - é Lyla Van, o perfeito estereótipo da atriz de cinema.

É bom que se diga que o filme não é um prato cheio para quem gosta de filmes de mistério. Na verdade, a trama não é o ponto forte desta obra. Mas o roteiro tratou de discutir as linguagens radiofônica, televisiva e cinematográfica; temas bastante propícios para um país em que a televisão consegue ser homogênea, mesmo sendo o mais expressivo elo de ligação entre modos de vida e culturas tão diferentes. Retrata, ainda, a complicada situação pela qual passaram os donos de vozes de sucesso do rádio, cujos perfis físicos não condiziam com a imagem que se procurava para os galãs da televisão.

Pulso de ferro da produtora

A Hora Mágica é um filme de autor, mas não só. Tem o dedo, ou o pulso, da produtora paulista Sara Silveira, que soube transformar R$ 1,5 milhão em sofisticação, principalmente segurando recursos para possibilitar uma pós-produção à altura da proposta do filme. Apontando soluções, Sara vem firmando-se como uma produtora que sabe adaptar os recursos das produções às idéias do diretor, sem causar melindres. A sorte também esteve ao lado da equipe. O prédio e o elevador antigos, elementos cenográficos importantes para o filme e de construção impossível diante dos recursos captados, são de um pédio tombado, de propriedade da Caixa Econômica Federal.

A exemplo de filmes como Traição, da Conspiração Filmes, e Kenoma, da AF Produções, o filme de Almeida Prado aponta para uma prática de produção que vem se tornando a tendência do cinema contemporâneo, aliás, uma receita que pode dar certo nestes tempos bicudos: orçamento médio, concessão do diretor às idéias de bom senso do produtor e o trabalho de equipe valorizado.


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