A Nação precisa reagir
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Por Tarso Genro
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Sustentei publicamente, em artigo na Folha de São Paulo publicado na semana passada, a tese de que o presidente Fernando Henrique deveria propor ao Congresso uma emenda constitucional convocando eleições presidenciais para outubro.

A repercussão e a polêmica nacional produzidas pela proposta comprovam que, de fato, a sociedade brasileira está perplexa diante da recente revelação do rumo e da verdadeira natureza do projeto de FHC, agora desmistificada. Mais: que começa a romper o consenso artificial sobre o "caminho único" da integração —a subordinação ao capital financeiro internacional—, metódica e ardilosamente produzido pela manipulação midiática.

O governo reagiu imediatamente. Articulou uma pesada ofensiva na imprensa —em curso—, que envolve desde manifestação do presidente, por intermédio do seu porta-voz oficial, editoriais nos jornais tradicionalmente alinhados e iradas manifestações de articulistas "independentes", até uma operação destacando parlamentares e "intelectuais orgânicos" do bloco conservador, para produzirem artigos e concederem entrevistas visando desconstituir a sugestão que apresentei a Fernando Henrique.

Acusam a proposta de "desestabilizadora" e qualificam-na de "golpista". Vejamos: o instrumento proposto —emenda constitucional— é exatamente o mesmo utilizado por Fernando Henrique para viabilizar sua reeleição. Portanto, inscreve-se nos marcos da Constituição e não fere nenhum princípio democrático, conforme reconhecem destacados juristas do país, como Eros Grau e Celso Antonio Bandeira de Mello.

Mais: o argumento político utilizado para justificar a reeleição de Fernando Henrique foi, basicamente, de que apenas a astúcia do "Príncipe", a autoridade e credibilidade que teria acumulado no primeiro mandato, poderiam coesionar socialmente o país e tranqüilizar os especuladores internacionais para viabilizar a inserção do país no mundo global e preservar a estabilidade monetária.

No processo eleitoral, a estratégia foi a mesma: com o beneplácito da grande imprensa, os brasileiros foram submetidos à chantagem eleitoral: uma eventual eleição de Lula significaria, de imediato, a desestabilização da economia e a volta da inflação, a desvalorização do real em relação ao dólar, a fuga de divisas, o esgotamento das reservas, o desprestígio internacional, enfim, tudo aquilo que de fato está acontecendo... no segundo e melancólico mandato de FHC, que está encerrando antes mesmo de começar.

A chantagem política para a aprovação da emenda da reeleição e o estelionato eleitoral praticados por Fernando Henrique, pela evidente relação direta entre fins e meios, não só produziram um déficit crônico de legitimidade no seu segundo mandato, como impedem o reconhecimento de autoridade política e moral ao Presidente, para liderar um pacto nacional capaz de promover a reconciliação do Estado com a sociedade e conduzir o país para um destino de nação.

Ora, o país vive uma situação de ingovernabilidade. Para ser mais exato, uma situação de anomia interna combinada com heteronomia, de caos econômico regulado a partir dos centros decisórios do capitalismo globalitário e segundo a estratégia definida pelos países hegemônicos. O inepto presidente recusa-se a dirigir o Estado, renuncia ao princípio da autodeterminação e sacrifica a soberania nacional, transferindo ao FMI a gestão econômico-financeira do país. E, para o estupor da sociedade, formaliza a humilhante capitulação às regras do capital globalizado, assinando um acordo com o FMI que chega ao cúmulo de admitir que as nossas reservas, quando atingirem o patamar de 20 bilhões de dólares, passarão a ser administradas diretamente pelo Banco Central dos Estados Unidos!

Diante desse quadro dramático, do agravamento inexorável da crise, da frustração irremediável da generosa expectativa da nação, dos riscos de rompimento do tecido social e da possibilidade da opção pela "via autoritária" —tão sedutora para as elites—, a sociedade civil precisa mobilizar-se rapidamente para sensibilizar o Congresso e chamar o presidente à razão.

Não se trata de construir artificialmente um "pacto" de sustentação do governo e da sua política anti-popular e anti-nacional. Trata-se de constituir as condições para um novo "contrato social" da maioria, por meio do qual o conjunto das forças democráticas interessadas na preservação da soberania e na defesa da economia nacional, promova a retomada do desenvolvimento com geração de emprego e renda, a reforma agrária e a constituição de um amplo mercado de massas.

A reversão da "mexicanização" em curso não virá do governo que conduziu irresponsavelmente o país a essa situação de desagregação, mas de um novo "contrato social", capaz de propor e sustentar um novo projeto nacional, de reforma do Estado e da economia, fundado nos valores democráticos da modernidade, sempre sonegados, e na construção de condições de vida compatíveis com o atual padrão científico-tecnológico e com o patamar civilizatório conquistado pela humanidade.

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