Correio da Cidadania

‘A internet é a mesma revolução da prensa de Gutenberg’

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Enquanto o país vive grande efervescência política, é do conhecimento geral a batalha ideológica em torno da informação. Ao mesmo tempo, temos uma crise que já se arrasta há anos no jornalismo, desde suas narrativas até a viciada roteirização dos temas, chegando à própria questão de sua viabilidade econômica.

 

“Nós vivemos hoje sob o impacto da internet na mídia tradicional. Esse impacto é grande sobre todos os meios, mas principalmente os escritos e impressos”, disse o jornalista Ignacio Ramonet, editor do Le Monde Diplomatique (na França e Espanha) desde 1990, que esteve no Brasil recentemente para lançar seu livro “A explosão do jornalismo”.

 

A obra, mais uma entre tantas que Ramonet já escreveu para analisar a comunicação e suas transformações, visa exatamente interpretar esse novo fenômeno. O ofício, conclui, continuará em pé, e o livro parte da tese de que a internet e suas redes sociais serão os novos protagonistas, com uma miríade de produtores e apuradores de informações espalhados, estabelecendo um novo tipo de concorrência com os atuais monopólios.

 

“Estamos num processo de extinção massiva do papel. O número de grandes jornais impressos vai cair muito rapidamente nos próximos poucos anos. Só nos últimos cinco anos, são 120 títulos a menos nos EUA. As tiragens dos que restam são cada vez menores. Em Paris, as vendas dos últimos dez anos caíram 25%”, ilustra.

 

O evento, realizado no Centro de Estudos Barão de Itararé, no último dia 10, contou ainda com a presença de Luis Nassif, um dos primeiros expoentes desse jornalismo transposto do papel para a web, afetando também as audiências televisivas. “Não tinha noção da internet. Mas conforme os leitores foram me ajudando e munindo de informações, para aquele debate, comecei a entender”, afirmou, recordando de sua cruzada contra a revista Veja. Na ocasião, fez uma série de reportagens que colocaram a nu as práticas “jornalísticas” da publicação da Abril, agora mais do que confirmadas após a revelação dos vínculos da publicação com a quadrilha do “empresário de jogos” Carlinhos Cachoeira.

 

Espetacularização como tática de sobrevivência

 

Para ilustrar o momento, Nassif faz uma observação que, aparentemente, se coaduna com a realidade, a partir do momento em que nos atentamos às narrativas histriônicas, apelativas e, última instância, repletas de adjetivações, que visam fazer um juízo implacável e definitivo perante a opinião pública, como se vê claramente na atual onda de manifestações.

 

“O mercado de opinião está em disputa”, diz ele, citando o estopim que fez a mídia abandonar um jornalismo que mesmo em suas páginas conservadoras já foi muito mais plural. “O que a mídia fez, após a crise cambial de 1999 e com muito medo de serem engolidas pelas teles, foi virar um partido político”.

 

A partir disso, ressalta, atingiu-se um nível inédito de espetacularização do noticiário, sempre alvejando ou expondo de forma caricata movimentos e setores sociais que se opusessem aos projetos políticos liberais, apoiados fanática e acriticamente pelos veículos de mercado. Trata-se, acima de tudo, de muita “politização”, para usar acusação frequente que seus editorais fazem aos quatro ventos.

 

“Primeiro, a mídia ficou cheia de medo das teles. Agora, morre de medo das redes sociais. O Murdoch inclusive fez alertas a respeito das mudanças nos marcos tecnológicos, e o Frias escreveu editorial admitindo. Aí, nosso cartel fechou o leque editorial em si mesmo e fez um pacto pelo modelo de Murdoch”, completou Nassif, que classificou de “dramaturgo” o jornalismo dos meios tradicionais e sua “gritaria” contra tudo que lhe soe desfavorável política e economicamente.

 

“A mídia fez esse movimento para ganhar força e se segurar, enquanto disputa o espaço das redes sociais. E a Dilma, agora, assegura que, vejam o exemplo dessa politização dos jornais, não usará verbas publicitárias no Google, outro interessadíssimo no assunto todo”, reforça.

 

Como explicitado, trata-se também de uma estratégia de sobrevivência. “O panorama da imprensa escrita é muito desolador. O século 21 ficará marcado como o século da internet, assim como o 20 ficou marcado como o século da eletricidade”, compara Ramonet, dimensionando a complexidade do momento.

 

Novos, e melhores, tempos

 

Tal quadro, como defende no livro, significa que teremos novas fórmulas de jornalismo – uma grande notícia. “Na internet, a informação tem muita consequência. É a mesma revolução da prensa de Gutenberg. E toda transformação nas comunicações gera uma transformação na sociedade”.

 

Ilustrando seu pensamento, o jornalista francês dá um exemplo, que talvez tenha passado despercebido, de impacto. “Reparem como se trata de um novo tempo: Obama ganhou as últimas eleições nos EUA sem dar uma única entrevista para um grande meio de comunicação, nenhuma TV ou jornal. Por quê? Porque ele tem 30 milhões de seguidores na rede social. Isso é mais que toda a audiência de todos os grandes meios de comunicação que quiserem entrevistá-lo nos EUA. Obama foi o primeiro a ganhar eleições usando somente redes sociais”.

 

Parece realmente questão de tempo a migração do jornalismo para a internet Entretanto, ainda são muitas incógnitas a respeito de sua viabilidade econômica, uma vez que os modelos de financiamento não estão afirmados ou sequer elaborados.

 

“A pergunta é: qual a economia da internet? Reportagens, investigações e correspondentes internacionais estão sumindo”, indaga Ramonet. Nassif discorda sobre a ‘derrota’ da investigação jornalística, dizendo que ainda falta aprendermos a utilizar novas ferramentas já disponíveis, como os sistemas de divulgação de dados oficiais e mecanismos como a Lei de Acesso à Informação. “Será preciso gestão de conhecimento. Por exemplo, sonegação de imposto de grande escala, nunca mais com esses sistemas de publicização de informações, como um blog mostrou em recente denúncia de sonegação da Globo”.

 

Do caos à nova era

 

E para quem já se cansa da insistência midiática em demonizar professores, estudantes e todos os movimentos que se oponham ao atual modelo de desenvolvimento e sua falta de investimentos em áreas essenciais, os tempos vindouros só podem ser melhores. Não estamos condenados ao eterno bombardeio de uma única voz e uma única versão para fatos e debates de interesse público.

 

“Pessoas de até 22 anos praticamente não assistem mais TV. Estamos num cruzamento da internet com a TV, que vive uma crise igual à da mídia impressa há alguns anos”, informa Ramonet. “O papel vai servir para embrulho. O jornalismo não muda. Quem mudou foi o Eugenio Bucci (risos)”, brinca Nassif.

 

No final, um contundente vaticínio do jornalista brasileiro: “junho marcou o fim simbólico da mídia. Ela não é mais a mediadora da comunicação. O modelo está em implosão. Com o tempo, as redes sociais serão o caminho. Ainda falta muito, mas as redes serão mais organizadas pra se comunicarem. Estamos no caos, de onde emergirá uma nova era”.

 

Gabriel Brito é jornalista.

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