Correio da Cidadania

CNBB e Papa podem não falar a mesma língua

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Basta uma simples olhadela nos dois documentos - as declarações finais da Assembléia da CNBB e o discurso do papa em sua chegada ao Brasil - para se perceber que há enfoques diferentes entre as principais preocupações dos bispos brasileiros e as do Bento XVI.

 

Os bispos demonstraram, através do documento tornado público, que suas atenções principais estão voltadas para a dura realidade da vida do povo brasileiro e, em nome do Evangelho, cobram atitudes públicas dos governantes a fim de eliminar as causas estruturais desses males, assim como estimulam aos cristãos a vivência desse mesmo Evangelho na luta pela mudança das estruturas perversas. E isto, sem deixar de abordar questões em pauta de discussão, como o aborto. Porém, se atêm muito mais na abordagem das questões estruturais.

 

Já o papa, como era de se esperar pelo seu histórico desde os tempos de auxiliar na Cúria Romana, mostra suas preocupações com certas questões da moral, porém sem abordar suas verdadeiras raízes, sem entrar no mérito das causas de tantas misérias humanas por ele abordadas em suas falas públicas.

 

Muitos bispos brasileiros têm contato direto com o povo e a sua realidade. Conhecem suas misérias e sofrimentos e conversam com seu povo. Conhecem muito bem a degradação das estruturas do poder brasileiro e sabem que a corrupção anda solta no Congresso Nacional – responsável pela elaboração das “leis” brasileiras -, assim como anda solta nas esferas do Executivo e também do Judiciário - que, convenhamos, de justiça verdadeira não tem nenhuma prática. Sabem que ali estão verdadeiros bandos de defensores de seus interesses particulares, em primeiro lugar, assim como defensores dos interesses escusos de setores aos quais estão alinhados. Sabem que a única preocupação que nessas esferas não prevalece são os direitos dos explorados, a justiça social, a igualdade de direitos e de deveres, a distribuição de rendas, o direito ao trabalho, à assistência social universal.

 

Já o papa Bento XVI revela entender muito bem dos países centrais da Europa, de onde é originário – Alemanha –, e das estruturas capitalistas, às quais parece defender, pois delas não fala, a não ser eventualmente, como uma das raízes fundamentais de tantas mazelas que atingem e degradam a humanidade. Para ele é mais simples atacar os efeitos do que atacar as causas dos problemas que afligem os seres humanos.

 

Dou-lhe certa razão quando fala da desgraça que pode ser a liberação do aborto, porque entendo que nenhuma mulher pode se sentir bem se tiver que tirar a vida de um filho, ainda que nos primeiros dias de sua existência. Ele sabe muito bem que a Justiça que prevalece neste mundo, de justa, não tem nada, e que isto levará a que muitos profissionais do ramo da saúde se utilizem das leis pra organizar verdadeiros hospitais do aborto, enriquecendo às custas dos mais pobres - embora não deixe isso claro. Porém, falta-lhe falar de que estamos vivendo os efeitos de um sistema de exploração do ser humano que transforma tudo em mercadoria, em instrumento de lucros criminosos; que torna o prazer sexual em mercadoria, porque lhe interessa fazer com que a mulher se sinta bem enquanto um lindo instrumento de prazer para o homem, assim como lhe agrada ver o homem se sentir “realizado” porque é capaz de transar com várias mulheres bonitas - e com isso ambos se tornarem instrumentos de publicidade dos produtos da indústria capitalista.

 

Não é por menos que o sistema, ao qual Bento XVI pouco se dirige, insiste em transformá-lo num “show-man”, num “pop-star”, induzindo milhões a transformar a religião em verdadeiro “ópio do povo”. A esse sistema – do qual a grande mídia é parte interessada – interessa que esse povo veja o papa como alguém dotado de poderes sobrenaturais, e não como um servo do povo espoliado, como o foi Jesus. Interessa colocar o papa como alguém a ser servido, inversamente às exigências evangélicas.

 

Para finalizar, percebi no documento da CNBB uma indireta afirmação de valores centrais da Teologia da Libertação, daquela parte da teologia que resgata o compromisso com o povo que deve ser libertado da exploração e da opressão: “porque me ungiu para libertar os cativos...”.

 

 

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

 

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