Correio da Cidadania

Efeito Trump: agora, Israel impõe em vez de negociar

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O Likud, partido do premier Netanyahu, acaba de aprovar recomendação que pode vibrar um golpe mortal na independência da Palestina.

Querem anexar a Israel todas as regiões onde há assentamentos. Isso significa incorporar ao Estado de Israel muitas áreas dos territórios palestinos, deixando muito pouco para o futuro Estado palestino.

De acordo com ideia praticamente consensual, apenas parte dos assentamentos e suas áreas vizinhas permaneceriam com Israel. O quantum seria definido em negociações entre israelenses e palestinos.

Caso o Knesset (parlamento de Israel) aprove a recomendação do Likud – o que é provável, pois o partido é majoritário na coalizão de direita que governa Israel – os sonhos palestinos continuariam sendo apenas sonhos.

Na situação atual, existe um grande bloco de assentamentos junto à fronteira com Israel, sendo que vários outros se espalham pela Cisjordânia.

Vigorando a posição do Likud, o Estado dos palestinos se constituiria de uma série de áreas não contíguas, separadas entre si por assentamentos judaicos. Verdadeiros bantustões, como havia no regime de apartheid da África do Sul.

Dividido em muitas fatias, cuja comunicação se processaria através de estradas de rodagem, cortando assentamentos e sob controle de check-ups do exército de Israel, o futuro Estado teria escassas chances se viabilizar como potência autônoma.

É o que Trump deseja, conforme o príncipe-governante de fato da Arábia Saudita informou a Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e foi relatado pelo New York Times (5-12-2017) e o Middle East Eye (22-11-2017).

Seria uma pá de terra na “solução dos dois Estados na Palestina”, defendida pela comunidade internacional até agora.

Não querendo ficar atrás do Likud, o Knesset  aprovou lei que praticamente impossibilita uma eventual divisão de Jerusalém entre palestinos e judeus. Ela dispõe que o governo só poderia ceder parte do território de Jerusalém com aprovação de 2/3 dos votos do parlamento, o que representa o apoio de 80 entre 120 do total dos deputados.

No momento, a coalizão situacionista é integrada por pelo menos 61 deputados, sendo que muitos dos oposicionistas também defendem Jerusalém indivisível, capital de Israel forever.

Chances de uma negociação fazendo de Jerusalém Oriental a capital de um Estado palestino são parelhas às do Mar Vermelho se abrir outra vez.
A nova lei é mais uma pedra, ou melhor, um rochedo, no meio do caminho de um acordo para resolver a questão palestina.

Para Dov Henin, deputado da Lista Unida Árabe, ”a nova lei deve ter sido feita para evitar a paz”. E o líder da oposição, o deputado Isaac Herzog, afirmou que “o Partido Lar Judeu (copatrocinador da lei) está levando Israel para um terrível desastre”.

O comentário de Daniel Seidemann, diretor do Terrestrial Jerusalem, é definitivo: “nós não temos intenção de partilhar esta terra com ninguém mais a não ser com uma minoria raramente tolerada (os poucos palestinos que têm direito de residir em Jerusalém)”.

A lei do Knesset também remove da municipalidade de Jerusalém duas grandes áreas habitadas por palestinos e localizadas do lado de fora de um muro que as separa do resto da cidade.

Com isso será formada uma nova unidade administrativa, reservada exclusivamente a árabes palestinos. E 150 mil deles, que já vivem lá, deixam de ser considerados cidadãos de Jerusalém. É uma forma prática de aumentar a porcentagem de cidadãos judeus da cidade.

Talvez devido à preponderância dos elementos árabes nas comunidades além do muro, a administração de Jerusalém não tem se interessado muito pelo seu bem-estar. A prestação de serviços públicos é precária. Não há segurança – o crime organizado deita e rola, embalado pelas carências na infraestrutura, pela imigração ilegal e por construções sem fiscalização.

Não é exagero dizer que esse conjunto de áreas urbanas cortadas pelo muro de separação vai se tornar um verdadeiro gueto, exclusivo para árabes. Lá judeus serão proibidos de entrar.

Espera-se que, em breve, Israel deve criar um conselho para administrar esse gueto, inicialmente sob controle do Ministério do Interior.

Afirma Esaqi-Freige, deputado no Knesset: “a nova lei de Jerusalém é uma lei racista, significa ‘limpar’ Jerusalém de residentes árabes. Depois do governo de Israel decidir erguer um muro cortando Jerusalém, agora está procurando remover 100 mil dos seus residentes para fora da cidade (Haaretz, 2-1-2018)”.

Dizem experts no site do Middle East Eye que o estabelecimento do novo conselho nas áreas de Jerusalém cortadas pelo muro de separação vai reduzir em um terço a população árabe da cidade.

Durante o governo Obama, políticos da linha-dura de Israel evitavam defender propostas radicais do tipo destas novas leis.

O New York Times tem uma explicação para esta lamentável mudança de hábitos, que começa a proliferar na Terra Prometida.

“O apoio de Trump mudou o jogo, levando membros do governo Netanyahu a concluírem que Israel poderá tomar posições mais fortes sem medo de intervenções estrangeiras rigorosas (New York Times, 31-12-2017)”.

Foi o que animou Avigdor Lieberman, ministro da Defesa, que mostrou suas garras, chamando os deputados árabes israelenses de “criminosos de guerra”, que estão no Knesset “por erro”. (Times of Israel, 11-12-2017). Não é só Trump que está vitaminando a extrema-direita de Israel.

A situação externa é muito favorável, as coisas “mudaram dramaticamente”, como diz Menachem Klein, cientista político da Universidade Bar-Ilan: “em vez de Obama, temos Trump. A União Europeia está dividida. O Brexit preocupa a agenda britânica. A Alemanha tem problemas com a coalizão. Não há consenso na Europa, nenhuma política para pressionar Israel. Portanto, é uma arena muito fácil para nós irmos adiante”.

Assustadora análise, especialmente por ser realista. Ai de ti, Palestina.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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