Correio da Cidadania

Desmascarado o lobby anglo-israelense

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O OfCom (The Office of Communications) é uma entidade do governo inglês cujo função é regular a mídia no país. Ele foi acionado para julgar acusações de grupos ingleses pró-Israel de que um documentário produzido pela Al Jazeera Investigações propagava o antissemitismo e era parcial.

Em 9 de outubro último, o Ofcom decidiu que a Al Jazeera não havia violado lei alguma, pois “o fato de o programa revelar evidências de comportamento inadequado por aqueles que agiam em nome do governo de Israel, ou por aqueles que pertenciam a um pequeno número de organizações que promovem a política israelense, não significa que seja antissemita (The Intercept, 10 de outubro/2017).”

Resultado de uma investigação da Al Jazeera, The Lobby é um documentário, dividido em quatro partes, que desmascara campanha da embaixada de Israel para atingir cidadãos ingleses críticos da política de Telavive. A destruição das carreiras de políticos ingleses pró-palestinos é um dos objetivos principais da campanha.

The Lobby apresenta filmes, gravações e informações baseadas nos relatos de um jornalista infiltrado em organizações anglo-israelenses e meios diplomáticos da embaixada de Israel, em Londres.

Apresentando-se com o nome de “Robin”, o infiltrado da Al Jazeera ganhou a confiança de um operador dessa campanha, o diplomata Shai Masot, e conseguiu gravações desse personagem, altamente comprometedoras.

Um dos destaques do material colhido por “Robin”, é a gravação de conversas entre ele, Masot e Maria Strizzolo.

Note-se que Strizzolo, gerente sênior do Skills Funds Agency, é figura importante do Partido Conservador. Ela foi chefe do gabinete do parlamentar Robert Halfon, então vice-líder do Partido Conservador na Câmara dos Comuns, depois indicado para ministro da Educação.

Masot falou de planos para destruir a carreira de parlamentares considerados hostis a Israel. Sir Alex Duncan, ministro do Foreign Office, um político pró-palestinos, foi um dos citados com particular ênfase.

No diálogo, o diplomata de Israel diz a Strizzolo: “posso lhe dar alguns nomes que eu sugeriria (deveriam) ser derrubados?” Ela perguntou quais seriam. Masot respondeu que Maria saberia a resposta. Em todo o caso, ele esclareceu: “o vice-ministro do Exterior”. Strizzolo: “você ainda quer ‘cuidar’ dele?” Masot disse que Duncan ainda estava causando problemas. Strizzolo: “eu pensava que nós, sabe, tínhamos neutralizado ele um pouco, não é?” Masot: “Não”.

Entre outros políticos conservadores apontados como alvos da campanha estava Crispim Blunt, presidente de Assuntos Estrangeiros da Câmara dos Comuns, também adepto da causa palestina. Coube a Strizzollo lembrar que ele também estaria na lista dos que deveriam “ser derrubados”.

Agora, discorrendo sobre as organizações pró-Israel, Masot se orgulha de ter criado várias, “em Israel e aqui”. Strizzolo pede mais informações e Masot deixa claro que seria segredo da campanha.. Responde: “nada que eu possa revelar”. E esclarece: “sim, porque há coisas que, você sabe, acontecem, mas é bom que deixemos essas organizações (pró-Israel) independentes”. Mas, insinua: “na verdade, nós as ajudamos”.

Em seguida, o diplomata israelense passa a focar com autoridade duas das principais dessas organizações: a LFI, por ele criticada por seu comodismo, e a CLF, cujo dinamismo ganha elogios.

Depois de breves análises, Masot diz que a LFI é uma organização dita independente. E explica: “ninguém gosta de ver alguém mandando na (sua) organização. Esta é, realmente, a primeira lei na política”.

Mudando de assunto, o diplomata, informa que, em 2015, ele teve a ideia de criar um novo grupo, o “Jovens Conservadores Amigos de Israel”. Não deu certo: “Mas, quando eu tentei fundá-lo no Labour (Partido Trabalhista Inglês), Corbyn (o chefe do partido) criou o maior caso”.

Ele propõe que “Robin” fundasse o “Jovens Trabalhadores Amigos de Israel”. Explica que a LFI precisa ser rejuvenescida por um grupo jovem.

A LFI e a CFI são organizações fundadas nos anos 50 e nos anos 70, respectivamente, para apoiar Israel e combater o antissemitismo. Integradas por judeus e não-judeus ingleses, nunca houve suspeita de que a embaixada do governo de Telavive a controlasse (The Guardian, edições de 1, 7 e 8 de janeiro de 2017). O documentário The Lobby apareceu na TV, numa série de programas.

O público inglês ficou estarrecido diante do atrevimento da embaixada de Israel, ao desrespeitar leis internacionais e regras diplomáticas, universalmente estabelecidas. E justo na terra de lord Nelson, do cricket, de Ricardo Coração de Leão, de Churchill, Shakespeare e dos Beatles!

Era demais! A divulgação das diabruras da embaixada do governo Netanyahu causou escândalo de abrangência nacional na Inglaterra.

Afinal, tratava-se de interferência de um governo estrangeiro na política do Reino Unido. E pior: visando destruir politicamente os líderes pró-palestinos. Algo mais condenável do que a interferência, não provada, do governo russo nas eleições norte-americanas, divulgando fatos desabonadores da candidata Clinton que, afinal, de contas, eram reais. Chatos, mas incapazes de destruir sua carreira. E provavelmente de ajudar a senhora Clinton a perder para Trump.

Pesadas críticas partiram de toda a parte, inclusive de parlamentares e outros membros do Partido Conservador, cujo governo tende a favorecer os interesses de Telavive.
O jornal The Mail publicou um artigo de ministro do governo Cameron (o antecessor de Teresa May). Por sinal anônimo, o autor temia ações punitivas do lobby israelense.

O artigo dizia: “a política exterior inglesa está submetida à influência israelense sobre o coração dos nossos políticos e as autoridades ignoram o que está acontecendo. Durante anos, a CFI e a LFI trabalharam com – e mesmo para – a embaixada israelense para promover a política de Israel e frustrar a política do governo do Reino Unido e as ações dos ministros que tentam defender os direitos dos palestinos”.

De todos os lados, exigia-se que o governo tomasse uma atitude. O leão inglês tinha de mostrar seus dentes! Acossada, Teresa May acabou por solicitar explicações ao embaixador de Israel.

E ele as deu. Pediu desculpas, mas notou que nada no documentário seria verdadeiro. Masot não falava pela embaixada. Nem era um diplomata, tratava-se de um funcionário junior, um training. Aliás, já fora devidamente despedido e remetido a Israel (Maria Strizzollo também se demitiu).

O governo inglês considerou as explicações satisfatórias e, apressadamente, declarou o caso questão encerrada.

Parece que no governo Teresa May os dentes do leão eram de leite. Mas, a coisa não ficou assim.

Protestos de políticos de vários partidos pediam investigações dos órgãos de segurança ingleses. Não dos setores suspeitos.

Alex Salmond, chefe de Assuntos Estrangeiros do Partido Nacional Escocês, reclamou: “eu esperava do governo inglês uma investigação completa sobre este assunto de modo que poderíamos confiar em que nossos representantes eleitos estão livres para realizarem seu trabalho na forma melhor de sua capacidade e sem medo de terem suas reputações manchadas por elementos da embaixada, que não concordam com suas ideias”.

A opinião pública considerava necessário apurar se Masot falava, de fato, por uma suposta campanha difamatória de políticos pró-Palestina.

Ele é conhecido como um ex-oficial da Marinha israelense, que continuava funcionário do Ministério de Defesa. O seu cartão de negócios da embaixada o descrevia como um funcionário político sênior.

No seu perfil no Linkedin, Masot descreve seu trabalho como “fundar diversos grupos de apoio político no Reino Unido para maximizar a ‘barreira de proteção a Israel’. Ele diz também que ajudou a conseguir ‘ajustes na legislação’ do Reino Unido e que foi major nas Forças de Defesa de Israel, entre 2004 e 2011, ora trabalhando na embaixada israelense, desde novembro de 2014, como chefe dos contatos entre a embaixada e os membros da Câmara dos Comuns, com ligações com ministérios e alto funcionário do Foreign Office.

Masot ainda se apresenta no Linkedin como funcionário das Forças de Defesa de Israel, ocupando o posto de vice-chefe do setor de organizações internacionais.

Estava, pois plenamente qualificado para participar ou liderar o controle das organizações pró-Israel, soi disant independentes, e das campanhas para manchar as reputações dos políticos e personalidades inglesas adversas ao regime de Israel.

Sir William Partey, ex-embaixador inglês na Arábia Saudita, Iraque, Afeganistão e Quênia contesta a alegação do embaixador de Israel, de que nada tinha a ver com as atividades de Masot: “Acho fantasiosa a ideia de que ele (Masot) estaria operando por conta própria. Sabemos que há um lobby nesta nação, que procura retratar Israel da melhor maneira possível, para isolar e denegrir os críticos da política de Israel”.

A Al Jazeera também realizou uma investigação para estudar as ações e métodos dos lobbies israelenses nos EUA, usando, como na Inglaterra, um jornalista infiltrado nesses grupos.

Para entrar no ar, esperava uma decisão favorável do OfCom, que fornecesse a retaguarda e os argumentos dos reguladores da mídia inglesa para contestar os ataques que fatalmente viriam

Depois de o OfCom falar, Clayton Switcher, diretor da Al Jazeera Investigações declarou que “com este veredicto do Reino Unido e as reclamações superadas, poderemos muito em breve revelar como o lobby de Israel na América age, através dos olhos de um repórter disfarçado”.

É de se crer que The Lobby vai chocar a opinião pública ainda mais do que sua versão inglesa. A participação das organizações pró-Israel na política inglesa é maior, mais poderosa e influente.

A maioria dos congressistas nem discute quando a AIPAC, por exemplo, lhes solicita voto em favor do regime israelense. Em política, principalmente, é tal o domínio das organizações pró-Israel sobre os políticos norte-americanos que o Congresso muitas vezes toma posição em favor dos interesses de Telavive mesmo se contrários aos de Washington.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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