Correio da Cidadania

Mulheres sauditas podem guiar, mas continuam guiadas

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Até agora, as mulheres sauditas eram legalmente proibidas de guiar automóveis. Os legisladores basearam-se nos ensinamentos do sheik Saab al-Haj que afirmava ter o cérebro feminino um quarto do tamanho do masculino. O que, é claro, as tornava um perigo público, quando ao volante.

O recente direito de dirigir concedido às mulheres foi celebrado como um grande avanço. Mas contenha o entusiasmo, elas continuam sendo as mais discriminadas do mundo.
Ainda pesa um oceano de restrições sobre o sexo feminino do reino.

Mesmo o acesso feminino ao volante não é amplo. Elas precisam ter no banco do carona os maridos ou um guardião masculino (pai ou irmão). Talvez para evitar barbeiragens.

Sem esse acompanhamento, as sauditas também não podem andar na rua. E se, fora de casa, alguma conversar com um homem, que não seja parente próximo, a coisa fica séria: a transgressora pode até ser presa.

Viajar sem autorização escrita do marido (ou do guardião) nem pensar! As sauditas dependem ainda desse nihil obstat masculino para outras coisas como submeter-se a uma cirurgia ou abrir uma conta bancária. Mas não há proibição governamental de conseguirem um trabalho, embora a maioria das empresas continue exigindo permissão do marido ou guardião para empregar uma funcionária de saias.

Como se vê a mulher na Arábia Saudita depende da generosidade ou liberalidade do marido para poder ter uma vida mais livre.

Ainda bem que ela tem o direito de escolher o seu. Isso desde que não seja ateu, nem crente de qualquer religião não-islâmica, nem muçulmano xiita. Em suma: todo e qualquer muçulmano sunita é, em princípio, aceitável.

Outro direito recentemente concedido às sauditas é o de votar e se candidatar a um conselho estadual (que tem poderes mínimos). Só em 2015, essa conquista foi conseguida, porém, com certas restrições. As candidatas têm de ser previamente aprovadas por um conselho recheado de clérigos que, nas regiões do interior, costumam ser muito conservadores, vendo com maus olhos os avanços femininos nas posições tradicionalmente restritas aos homens.

Já votar, tudo bem, os direitos femininos são irrestritos. Bem, nem tanto, exige-se que a eleitora seja acompanhada pelo marido ou outro guardião habilitado. Espera-se, talvez, que ele as impeça de votar mal.

Mas, para muitas mulheres, uma das piores interferências do governo real na sua vida aconteça na moda.

Todas elas são obrigadas a vestir a abaya, uma túnica que as cobre quase que totalmente, deixando livres só a face, as mãos e os pés.

Se você é mulher e nunca foi a um restaurante vestindo uma abaya, não sabe como ela complica os atos de se servir e se alimentar. Nas regiões mais atrasadas do país, a tradição é adicionar um véu, cobrindo o rosto. Comer e beber num restaurante torna-se um problema mais difícil do que encontrar água no deserto.

Na maior parte das regiões, felizmente, a mulher não precisa adicionar esse véu à sua toilette. O rosto fica livre para ela se maquiar com duas únicas restrições: nada de tirar pelos da face ou fazer sobrancelhas.

O mais chato deve ser a obrigação de usar uma abaya nas piscinas, lugar sempre rigorosamente unissex.

Aliás, isso parece estar mudando, embora lentamente. Anuncia-se que o príncipe herdeiro número um, Mohamed Bin Salman, vai construir um luxuoso resort, às margens do mar, onde será permitido que as mulheres usem biquínis. O público visado serão os turistas estrangeiros. Mesmo as mulheres sauditas poderão trocar suas abayas por maiôs de reduzidas dimensões. Pena que somente as muito ricas poderão aproveitar esta espantosa liberalidade, pois o novo resort deverá ser caríssimo.

Quanto às possibilidades de uma saudita cuidar da elegância e da esbeltes do seu corpo, nada a opor. Ela dispõe de academias. Infelizmente, muito poucas e só existem em clínicas ou salões de beleza ou estética, que dispõem de poucos aparelhos, os quais, aliás, só podem ser usados em horários limitados.

Não precisa dizer que a mulher não pode ir sozinha a um restaurante, academia, loja ou consultório médico sem seu guardião.

No entanto, há um local onde, mesmo com a companhia desse indefectível guardião, ela não pode ir de jeito nenhum: os cemitérios.

Acompanhar um enterro é absolutamente proibido para mulheres de qualquer idade. Não adianta apresentar carta de recomendação de um príncipe da família real.

As autoridades acreditam que os mortos podem ouvir. E não querem perturbá-los com as inevitáveis lamentações e choradeiras, que as mulheres, seres extremamente emotivos, não seriam capazes de evitar.

Num cemitério, elas só entram quando estão sendo enterradas.

Finalmente, é preciso mencionar a existência de uma importante norma legal em favor das mulheres, datada de 2013: a criminalização da violência doméstica (desde que exagerada ou não justificada) e do abuso sexual.

O chato é que, por enquanto, os juízes costumam condenar os criminosos a penas pouco severas, em geral, apenas pecuniárias.

Não queremos desmerecer a liberdade no volante, conquistada pelas mulheres sauditas com muita luta. Algumas das pioneiras foram presas em certas ocasiões.

Mas ainda há muito que conquistar até que as mulheres sauditas consigam ter direitos idênticos aos dos homens.

Nos bookmakers de Londres as apostas de isso acontecer neste século têm sido raras.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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