Correio da Cidadania

2016, uma breve retrospectiva

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Felizmente, chegamos ao final de 2016 ainda podendo fazer uma pausa para breve retrospectiva. Infelizmente, por outro lado, não nos sentimos felizes por haver acertado em muita coisa quanto ao que poderia ocorrer nesse ano catastrófico para o povo brasileiro. Mais do que tudo, porque hoje talvez já não haja mais quaisquer dúvidas quanto a esse ano ter ficado marcado pelo acirramento da disputa entre a direita (em ofensiva descarada) e a esquerda (numa defensiva ainda não assimilada em todas as suas dimensões), tendo como eixo os rumos que o Brasil deveria seguir.

 

Também não erramos na avaliação de que, nessa disputa, estavam em pauta, principalmente, as estratégias que deveriam ser adotadas, por um lado, para realizar um desenvolvimento econômico e social soberano, com maior participação popular na democracia formal de 1988, ou, ao contrário, para fazer com que o Brasil voltasse a ser atrelado às “cadeias produtivas globais”, comandadas pelas corporações transnacionais, descarregando sobre os ombros dos excluídos, dos trabalhadores e das classes médias, o peso do financiamento público do capitalismo oligopolizado do país.

 

Politicamente, a direita se manteve estrategicamente unificada em torno de um projeto que continua em andamento: a) destruir o PT e suas principais lideranças; b) tornar toda a esquerda insignificante; c) fazer tábula rasa de todas as conquistas sociais e políticas inscritas na Constituição de 1988, golpeando severamente os direitos democráticos; d) realinhar o Brasil à subordinação e dependência ao capital transnacional; e) abrir as portas para a completa privatização internacional da economia brasileira.

 

É verdade que suas táticas eram e continuam diversas. Uma parte criminaliza a política, mesmo que isso signifique sacrificar alguns dos seus. Outra parte batalhou, e ainda batalha, por novas eleições imediatamente. Isso enquanto outras concentraram-se no sucesso do golpe do impeachment, algumas clamam pela intervenção militar, e havia e há os que consideravam e consideram melhor um golpe de estilo parlamentar e judiciário.

 

Também era evidente que havia setores táticos de extrema direita, direita e centro trabalhando duramente, caso o impeachment falhasse, para sangrar o governo Dilma, na pior das hipóteses até 2018, e então enxotar o PT e Lula como alternativas de governo e de poder. Embora a “turma da bala” não tenha conseguido sucesso na ideia de volta dos militares, eles realizaram, e continuam realizando, provocações de todos os tipos para criar um ambiente que propicie a intervenção das forças armadas.

 

Embora, na maioria dos casos, o PT tenha aparecido como o alvo predileto, na prática o objetivo estratégico que a direita pretendeu, e continua pretendendo, consiste em danificar praticamente todas as forças de esquerda, progressistas, democráticas, assim como parcela dos setores liberais. E, algo ainda não comentado em sua extensão, vem sendo o empenho em liquidar e passar para mãos estrangeiras corporações empresariais brasileiras, privadas e estatais, tendo como carro chefe a Petrobrás, desnacionalizando ainda mais a economia.

 

Mas, em geral, tais táticas subordinaram-se àquela estratégia e permitiram o sucesso golpista. Portanto, a rigor não deveria haver qualquer surpresa quando grandes empresários e executivos foram presos e processados, tendo em vista cercar o PT, Lula, e a presidência. Nem quanto ao esforço para processar a presidente e impedi-la de continuar à frente do governo. Ou que o processo de impedimento, instituído por Cunha no início de dezembro de 2015, pretendendo fazer com que Temer assumisse e colocasse em execução seu “projeto de futuro”, fosse levado a termo. Ou que Eduardo Cunha e outros próceres, de centro e da direita, estejam sendo “delatados”, presos, processados e julgados.

 

O projeto estratégico conservador e reacionário ia e vai muito além do antigo neoliberalismo, praticado por FHC. Mais incisivamente do que este, tal projeto pretende “limpar” a Constituição de 1988 dos “exageros democráticos e populistas” nela existentes. A aprovação do “teto de gastos públicos” por 20 anos (PEC 55), a ser seguida pela “reforma da Previdência”, são excrecências ainda mais danosas do que as do neoliberalismo dos anos 90.

 

Num período em que há uma crescente tendência de substituição do trabalho vivo por máquinas programadas, tendência que no Brasil é agravada por crescente desindustrialização prematura, a extensão da idade mínima de aposentadoria para 65 anos é um decreto mortífero. Vai aumentar o descarte da força de trabalho, e intensificar a impossibilidade de emprego, fazendo inchar a enorme massa populacional que não pode pagar o INSS e que não poderá se aposentar. Tudo porque a burguesia dominante (internacional e nacional) exige que os mais de 500 bilhões referentes ao pagamento dos juros do débito público sejam “honrados” pelo Estado Brasileiro.   

 

Tendo em vista tudo isso, havia a suposição de que as forças de esquerda, ameaçadas tanto pelas manobras táticas da direita quanto por seus objetivos estratégicos, se unissem para a resistência ao golpe. Mas a capacidade de mobilização dessas forças, principalmente daquelas que tinham as camadas populares como base social, certamente dependiam, em grande parte, do PT e da esquerda se unificarem em torno das principais questões sobre as quais estavam divididas, e delas não haverem se desligado, profundamente, da luta cotidiana daquelas camadas populares e trabalhadoras.

 

Ou seja, dependia, em primeiro lugar, do PT e dos petistas no governo concordarem que a política econômica de “ajuste fiscal” tendia a criar um longo período de crise econômica e política, e deveria ser mudada antes do que isso ocorresse. Dependia, ainda, do PT ter uma política clara e prática de combate interno e externo à corrupção. E do PT e da esquerda se disporem a discutir francamente com as demais forças políticas progressistas e democráticas um projeto comum de desenvolvimento econômico e social, e de reformas políticas democráticas e populares.

 

Havia certa concordância de que: a) o desenlace da luta que a direita travava contra a esquerda e outras forças políticas progressistas e democráticas dependia da mobilização social de massa; b) tal mobilização deveria ter como coadjuvante uma renhida disputa ideológica e política (isto é, uma feroz disputa da opinião pública, que incluía saber explicar para as grandes massas da população o que a direita pretendia e como isso iria prejudicar um amplo espectro da população; c) seria necessário um esforço extra para fazer com que as bandeiras e os slogans políticos de “defesa da democracia”, “contra o golpismo”, “fora Cunha”, “defesa dos direitos dos trabalhadores”, “reformas políticas”, “reformas estruturais” e “por outra política econômica” se tornassem bandeiras comuns de todas as forças empenhadas em fazer com que o Brasil derrotasse o regressismo e o retrocesso da direita, e ingressasse em novo processo de desenvolvimento econômico e social.

   

No entanto, o governo não mudou suas políticas, sendo incapaz de dar o “cavalo de pau” que a situação exigia; a direção do PT não conseguiu reconhecer os próprios erros (estratégicos e táticos), nem mobilizar sequer a massa de sua militância; parte da esquerda continuou achando que o PT ser golpeado não teria nada a ver com sua situação; e outra parte da “esquerda”, para espanto de alguns, ao colocar à mostra um viés antipetista, antissocialista e anticomunista, transitou abertamente para a direita.

 

Com todos esses obstáculos a ultrapassar, a positiva formação da Frente Brasil Popular foi incapaz de realizar a mobilização massiva que seria imprescindível para contrapor-se ao golpe tramado pela direita. Assim, a partir do impeachment, com o golpe de estilo parlamentar-judiciário consumado e a posse de Temer, a estratégia da direita tenta entrar em velocidade de cruzeiro, apesar das dificuldades que a crise mundial capitalista, e os interesses nem sempre comuns das diversas correntes golpistas, lhe impõem.

 

Por outro lado, os resultados das eleições municipais confirmaram não só a derrota do PT, e da esquerda em geral, e a vitória da direita, via PSDB e outras siglas. Elas reiteraram, ainda, a despolitização de grandes camadas da população brasileira e sua aversão tanto à esquerda quanto à direita. Não foram poucos os casos em que os votos nulos e brancos, e a abstenção eleitoral foram superiores ao voto no candidato vencedor, ou até mesmo à soma dos dois mais votados.

 

A rigor, isso deveria resultar na chamada por novas eleições. No entanto, a direita conservadora e reacionária quer transformar o fato em motivo para liquidar o voto obrigatório e instituir o voto facultativo, em mais um passo para liquidar qualquer participação popular massiva naquilo que foi uma grande conquista democrática, o direito ao voto universal e secreto. A sorte do povo brasileiro é que a direita nativa é tão medíocre e corrupta que talvez dê tempo à reconstituição das forças progressistas, democráticas e socialistas. A se comprovar, diante do crescente embaraço em que se encontra o governo golpista, para cumprir suas promessas de “arrumar o governo”, “retomar o crescimento econômico e o emprego”, e “manter a luta contra a corrupção”.

 

 

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político. 

 

 

Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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